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Paranormal e Pseudociência em exame
 


Reencarnação: Um Exame Crítico

 


Barry L. Beyerstein, do Brain Behavior Laboratory, Departamento de Psicologia da Universidade Simon Frasier, EUA.

Este texto é uma resenha do livro "Reincarnation: A Critical Examination", de Paul Edwards.

Poucos de nós gostamos de ter reveladas as fraquezas das nossas mais confortantes crenças, e quando as hipóteses sob escrutínio dizem respeito a itens cruciais tais como a possibilidade de vida após a morte ou os fundamentos sobrenaturais dos nossos preceitos morais, uma atitude de questionamento é quase garantia de carrear grande impopularidade ao apresentador. Paul Edwards arriscou esse vaticínio de novo, desta vez ao examinar criticamente certas doutrinas, antes confinadas em grande parte a crentes Hinduístas e Budistas, mas que recentemente ganharam popularidade entre os discípulos ecléticos da espiritualidade Nova Era. E, o que é interessante, atraíram um bom número de adeptos Cristãos que animadamente não tomam conhecimento do fato de que a doutrina da reencarnação contradiz outros princípios essenciais da sua fé.

Ignoradas até hoje pelos grandes filósofos ocidentais, as doutrinas da reencarnação e do Karma, tradicionalmente associadas (mas logicamente independentes) são inteiramente examinadas no delicioso e enciclopédico tratado de Paul Edwards. Edwards prossegue com sua habitual precisão a expor as hipóteses obscuras, as falhas empíricas, e as implicações freqüentemente impalatáveis desses ensinamentos que, na superfície, podem parecer muito atraentes. É sempre um prazer observar o pensador incisivo cortar direto ao âmago de uma questão e então prosseguir para expor suas conseqüências lógicas em prosa clara e concisa. É um prazer duplo se essa exposição for levada a cabo com humor e talento, como é este o caso. Só muito raramente se ganha o bônus de rir em meio à análise irrefutável de um eminente filósofo. Veja este exemplo da piscada de olho do sábio que aparece na página 18: "Parece ridículo que algo tão importante como a criação de uma alma que irá existir para sempre possa estar ligada a tais acidentes como a falha de um dispositivo anticoncepcional."

A crença de que uma essência de nós mesmos sobrevive à morte do corpo é talvez a mais confortante de todas as inclinações espirituais. Ela tem proporcionado reconfôrto aos seres humanos provavelmente desde o momento em que nossos ancestrais desenvolveram cérebros de suficiente complexidade que lhes permitiram antecipar o futuro e contemplar sua própria mortalidade. O consolo proporcionado por algum tipo de expectativa de vida após a morte deve provavelmente ter sido suficiente para assegurar por si mesma que sua popularidade não diminuísse, mas, como Edwards ressalta, a versão de imortalidade pregada pela maioria dos reencarnacionistas oferece ainda uma outra atração. A crença na reencarnação alimenta não só a esperança em vida além da sepultura, mas conjugada à sua freqüente companheira de viagem, a "lei" do Karma, ela também fornece suporte aparente a um outro desejo humano universal, a vontade de acreditar que habitamos um universo justo.

O brilho cálido que esta solução oferece aos crentes desvia sua atenção das muitas dificuldades conceituais e práticas inerentes que Edwards põe a nu neste livro. Por exemplo, a maior dificuldade para os reencarnacionistas é o que ele chama de problema de "modus operandi." Para os pensadores mágicos, basta imaginar alguma coisa para que ela aconteça. Mas para o resto de nós, há a incoveniente necessidade de uma cadeia plausível de mecanismos causais antes que se possa admitir a probabilidade de um dado fenômeno. Com os múltiplos avanços no conhecimento científico desde os dias em que se formulou a história da reencarnação, vem ficando cada vez mais difícil conceber um mecanismo razoável através do qual um atributo corpóreo (tal como um sinal de nascença ou deformidade, que recebem muita atenção nos círculos reencarnacionistas) ou uma propriedade mental tal como conhecimento, ou um traço da personalidade, ou uma inclinação, possam ser empacotados ao fim da vida de uma pessoa, mantidos em suspenso em forma não-física entre encarnações (o "problema do interregnum") e finalmente implantados num feto no ventre de sua mãe em preparação para outra revolução do eterno carroussel. Igualmente forçamos a credulidade ao aceitar a hipótese de que listas detalhadas de cada boa ou má ação praticada por todas as pessoas que já viveram possa ser mantida em algum lugar e avaliada, sem falar em atrelá-la a mecanismos retributivos transgeracionais tão diversos quanto terremotos, bactérias, touros enfurecidos, raios atmosféricos, ou um freqüentador de bar grandalhão e mal-humorado chamado Bob.

O psicólogo canadense Melvin Lerner e seus colegas estudaram várias necessidades psicológicas que fazem perenemente atraente a idéia de aplicadores de justiça transcendentais tais como a lei do Karma. Lerner descreve várias vantagens em acreditar naquilo que ele chama de "hipótese do mundo justo," isto é, a noção confortadora de que, na vida, as pessoas geralmente obtêm aquilo que elas merecem e merecem aquilo que elas obtêm. Muitos de nós nos rebelamos emocionalmente ao percebermos - facilmente induzidos por uma rápida olhada nas manchetes diárias - que as benesses e os espinhos da vida parecem ser de algum modo repartidos ao acaso, moralmente falando. Aparentemente, é muito ameaçador para a maioria do povo admitir que, não importa quanto tempo se gasta e o empenho com que se tenta fazer a coisa certa, o motorista daquele ônibus que se aproxima ainda poderia estar cochilando ao volante. É esta motivação de crença salvadora numa mão oculta que impõe recompensas e punições merecidas numa escala cósmica que explica a revoltante mas freqüente tendência a depreciar vítimas aparentemente inocentes. Por exemplo, "Ela devia estar vestida ou ter se comportado de modo provocante ou então não teria sido estuprada, não é mesmo?"

Com adultos vítimas de infortúnio, basta apenas distorcer a nossa percepção do merecimento do indivíduo para preservar nossa crença num mundo justo, mas o que dizer de bebês afligidos por doenças que martirizam e deformam, ou crianças tornadas órfãs e torturadas pelos perpetradores de "limpeza étnica"? Como poderiam elas de algum modo ter acumulado suficientes deméritos em suas vidas curtas para ter merecido um destino tão cruel? Uma resposta rápida, se você pode aceitá-la, é dada por aqueles dois alvos do bisturi dissector de Edwards, reencarnação e Karma. Aparentemente, aceite se quiser -- capital moral acumulado, de qualquer forma -- é isso aí. Nisto temos a tão procurada desculpa para o panorama de mal gratuito e sorte inesperada que encontramos diariamente. Essas crianças mereceram isso é certo, mas não pelo que elas fizeram nesta existência curta e brutal. Quiçá, elas estão expiando maus atos praticados em uma ou mais de uma série infinita de vidas prévias. E, a propósito, aquele corretor de ações de alto risco em Wall Street merece sim seu Rolex, BMW e iate, afinal de contas - ele foi obviamente um personagem um tanto mais meritório numa encarnação prévia.

Genial, hein? Bem, sim, uma espécie de Edwards imparcial admite que este relato faz mais sentido que a tradicional explicação Cristã de que bebês mortos por bombas de napalm, são por razões além do nosso curto alcance, um infeliz subproduto da predileção de Adão e Eva por maçãs. Mas espere! Aprofundando mais sua análise Edwards revela que as doutrinas de Karma e reencarnação, tão pertinentes à primeira vista, carregam consigo algumas implicações deveras revoltantes que seus devotos parecem raramente ter notado. Por exemplo, resulta dessas concepções que eu não devo doar dinheiro para campanhas contra a fome na África porque aqueles miseráveis famintos devem merecer esse destino por terem "aprontado" por aí na última vez (ou vezes). Ajudar os aflitos frustra seu Karma, veja você.

Uma outra pedra no caminho suscitada por Edwards é a população mundial que vem crescendo sem parar. Se as almas de todos os terráqueos atuais habitaram necessariamente um corpo numa geração anterior, e -- também de acordo com a doutrina -- nenhuma alma nova está sendo criada, e havia menos corpos no planeta do que há nos tempos atuais, parece que deveríamos estar às voltas com um sério déficit de almas. Alguns reencarnacionistas tem tentado evitar este impedimento com tediosas girações arquitetadas especificamente para este caso (promoção de almas animais a humanas, recrutamento de almas de outros planetas ou dimensões, compartilhamento de uma mesma alma, etc.), mas os extremos a que estes apologistas têm ido somente ressalta, como observa Edwards, quão fantasioso é na realidade o empreendimento reencarnacionista em seu todo.

Então chegamos à talvez mais forte, e para mim (como estudante de longa data da função cerebral) a mais atrativa objeção à reencarnação levantada por Edwards. A ligação evidente de todos os atributos psicológicos a estruturas e funções altamente específicas em cérebros individuais é uma razão convincente para duvidar que um pacote de traços da personalidade e habilidades possam saltar de uma pessoa moribunda para o limbo, e dali para um embrião recém-concebido. Ainda que a moderna neurociência não possa conclusivamente excluir a possibilidade de existir consciência extracorpórea, há um assombroso acúmulo de evidência sugerindo que o pensamento, a memória e as emoções requerem um cérebro intacto funcionando perfeitamente, servindo para firmar a ligação cérebro-mente como um dos postulados científicos mais bem substanciados. Eu apresentei uma revisão dessa evidência e suas implicações em várias crenças ocultas, numa edição anterior do Skeptical Inquirer (SI, Winter 1988).

Embora Edwards não advogue, como eu fiz naquela ocasião, a versão mais extrema da posição materialista a respeito do "problema mente-corpo" - a hipótese de identidade psiconeural, que afirma que as funções mentais são idênticas a estados do cérebro - ele argumenta que a dependência manifesta de todas as funções mentais de funções cerebrais específicas faz com que a possibilidade de que traços pessoais, conhecimento, ou autoconsciência possam pular de uma encarnação para a seguinte seja extremamente remota. De qualquer forma, como eu mencionei no artigo supracitado, se esta espécie de transmigração de traços e conhecimento for possível, então todo o meu campo de neurociência comportamental que eu escolhi é essencialmente uma caminhada inútil. Felizmente, após ler este livro, o apostador prudente irá provavelmente concluir que as chances de que o conceito de reencarnação seja fatalmente invalidado, são substancialmente maiores do que a probabilidade de que o princípio fundamental da neurociência (isto é, a ligação cérebro-mente, que, se verdadeira, torna a reencarnação tão improvável) corra um perigo substancial.

A evidência, como tal, é exaustivamente examinada por Edwards. Muito dela provém de testemunhas aparentemente dignas de crédito que alegam ter visto os "corpos astrais" projetados de outras pessoas no momento da sua morte, ou de crianças que parecem notavelmente precoces, ou que "se recordam" de pessoas, lugares ou eventos que lhes parecem improváveis ter conhecido a não ser que os tivessem realmente vivenciado numa vida anterior. Edwards mostra que a evidência empírica, na forma de argumentos de apoio expressos por exploradores de vidas passadas tais como Elizabeth Kübler-Ross, Stanislav Grof, Raymond Moody, e Ian Stevenson são bem menos convincentes do que as manchetes da imprensa sensacionalista fariam você acreditar. A exemplo da maior parte da evidência anedótica deste gênero, o exame revela que histórias recontadas pelos crentes acham um jeito de ir ficando mais bem arrumadas e mais convincentes à medida que passam de boca em boca.

Conforme Leonard Angel mostrou nestas páginas algum tempo atrás (SI, Fall 1994), a leitura cuidadosa dos "melhores casos" reconhecidos de reencarnação, como por exemplo, vários do parapsicólogo Ian Stevenson, revela inconsistências internas significativas nos relatos que os colocam em dúvida, antes mesmo da própria evidência ser examinada. Edwards menciona problemas similares na base evidencial e deu-se ao trabalho de rastrear muitos outros "melhores" casos retrocedendo às suas fontes tanto quanto possível. Ao longo do caminho nós somos servidos com alguns exemplos hilários de credulidade entre aqueles possuídos pela vontade de acreditar. Ao atacar o famoso caso de "Bridey Murphy", supostamente um dos mais fortes do arsenal reencarnacionista, Edwards presta aos céticos o serviço adicional de mostrar que algumas das refutações que os céticos gostam de apregoar (eu mesmo entre eles, até que li este capítulo) eram elas mesmas produtos do excesso jornalístico e portanto não confiáveis. Edwards acha muito mais, contudo, ao desacreditar a evidência da vida prévia de Virginia Tighe como Bridey Murphy. No processo, ele reúne críticas cortantes ao uso da hipnose e técnicas correlatas para "revelar" memórias de vidas passadas. Basta dizer que, no geral, o caso empírico da reencarnação não se sai melhor que o conceitual, lógico e moral.

Os céticos que seguirem minha recomendação e lerem Reencarnação: Um Exame Crítico [de Paul Edwards] vão obter muita munição para debater não somente com reencarnacionistas mas também com aficionados de "experiências de morte eminente" e entusiastas de outros tipos de "vida após a morte" também. No processo eles serão servidos com uma boa leitura - os ensaios de H. L. Mencken saltam imediatamente à mente neste contexto. Reencarnação é um útil suplemento a uma obra anterior de Edwards, Imortalidade, e a outro trabalho que nós ambos admiramos, o livro de Susan Blackmore Morrendo para Viver. Os céticos familiares com estas obras estão bem preparados para entrar em debates. Eles devem ser advertidos, todavia, que se a evidência lógica contida aqui fosse o determinante final da crença, noções vagas mas confortantes como reencarnação e Karma nunca teriam ganho seu substancial status cultural em primeiro lugar.


Este texto foi originalmente publicado em inglês pela revista Skeptical Inquirer, edição Jan/Fev 1999, página 51, sob o título A Cogent Consideration of the Case for Karma (and Reincarnation).
Copyright © Skeptical Inquirer
Tradução realizada por Jorge A. B. Soares

 


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