Adivinhando o futuro
por Jorge
A. B. Soares
Todo ano, nos últimos dias de dezembro, assistimos
àquele tradicional desfile de previsões para o novo
ano que vai chegar. A imprensa sensacionalista não
poupa espaço e divulga tudo quanto é previsão de
astrólogos, tarólogos, lançadores de búzios,
videntes de bola de cristal, etc.
É possível prever o futuro?
As ciências físicas e humanas permitem-nos
antecipar com alguma segurança as próximas
ocorrências de uma cadeia de eventos que se
desenrola a partir do presente. Por exemplo, é
perfeitamente possível prever em que ponto do
espaço sideral uma nave proveniente da Terra
encontrará o planeta Marte daqui a 7 meses. Ou
predizer que a população do Brasil atingirá os 200
milhões no ano 2025. Porém isto não satisfaz a
mente humana que sempre sonhou com emoções mais
fortes e vôos mais altos, como por exemplo prever o
número do 1º prêmio da próxima extração da
loteria, a cotação futura do dólar ou do barril de
petróleo, o próximo presidente da República e
coisas desse quilate.
A ciência, a lógica e a história estão aí para
demonstrar cabalmente a total impossibilidade de se
prever esse tipo de acontecimentos que mais dependem
do acaso do que da atuação de alguma lei
científica conhecida. Ademais, se a precognição
fosse possível, todos esses adivinhos seriam muito
ricos e não estariam por aí lutando pela sua
sobrevivência diária atendendo a consultas.
Nos EUA existem estudos sérios de verificação
sistemática das previsões feitas pelos tablóides
que comprovam à exaustão que essas previsões não
têm nenhuma margem de acerto acima do mero acaso.
Strentz verificou que entre 1978 e 1985 as previsões
de Ano Novo dos "sensitivos" entrevistados
pelo National Enquirer registraram apenas 2
previsões acertadas num total de 486. Chegaríamos a
essa mesma conclusão por outros caminhos se
lembrássemos que grandes comoções mundiais tais
como as mortes acidentais de Lady Di ou John Kennedy
Jr. não foram previstas por nenhum desses adivinhos
de fim de ano.
O fator que explica muitas dessas alegadas
precognições é a simples coincidência, decorrente
do acaso. Por exemplo, todas as noites os 6 bilhões
de habitantes do planeta sonham, e pela lei das
probabilidades uma ínfima porcentagem deles
certamente sonhará com desastres de avião. Então,
se ao longo do tempo ocorre a queda real de um avião
é bem provável que alguém proclame agitado:
"... ontem eu estava dormindo, e em sonho vi
esse avião caindo...". Este é o tal de
retroencaixe ("retrofitting") quando,
inconscientemente, encaixamos um evento atual numa
precognição feita anteriormente. Esses
pseudo-acertos são sempre alardeados e divulgados
pela mídia, mas ninguém fala da enorme quantidade
de sonhos de desastres que nunca se concretizaram.
Em todas as épocas e lugares a humanidade sempre foi
fascinada pela previsão do futuro. Na antiguidade o
oráculo fazia um tipo de adivinhação no qual uma
divindade dava, através de um sacerdote (a pítia,
em Delfos; a sibila, em Cumes), respostas a questões
formuladas oralmente. Nas sociedades antigas, em
Roma, no Egito, na Grécia, os oráculos
representaram um papel importante.
A tradição judaico-cristã tem na profecia um dos
seus pilares da fé. O profeta tem como função
transmitir ao povo as mensagens divinas. Com
frequência, ele anuncia o futuro, sendo então
chamado pela Biblia de "vidente". Por causa
dessa faculdade, a consciência popular geralmente
identifica profecia com predição do futuro.
Algumas seitas religiosas profetizaram acontecimentos
previstos para datas e locais específicos, portanto
sujeitos a verificação. Nenhuma dessas profecias se
cumpriu. Isto nos leva a analisar a
"técnica" que os adivinhos espertos
utilizam para fazer seus clientes acreditarem que
estão acertando a maioria das previsões. O truque
é ser obscuro, vago e ambíguo, e dar tempo ao
tempo. Há sempre uma grande probabilidade de que
algo virá a acontecer que se "encaixe"
numa dessas previsões. Como já bem dizia Stephen
Jay Gould,"o tempo transforma o improvável no
inevitável".
Os oráculos eram mestres no uso dessa técnica.
Nostradamus também se valeu desse estratagema para
enganar até o fim do século 20, quando então
falhou a mais famosa das suas profecias:
No ano 1999 e sete
meses,
Do céu virá o grande Rei do Terror.
Ele trará de volta à vida o grande Rei dos
Mongóis.
Antes e depois da guerra reinará com felicidade.
(Centúria X, Quadra
72)
Esta quadra foi
largamente interpretada como a vinda do Terceiro
Anticristo em julho de 1999, no meio de guerras que
desencadeariam o fim do mundo. Mas tudo, enfim,
revelou-se uma farsa. As centúrias são
suficientemente vagas e arquitetadas de modo a nelas
se ir ajustando tudo. Historiadores da Europa,
África, Ásia e América do Sul, têm encontrado
"acertos" nas mesmas quadras de Nostradamus
que milagrosamente se ajustam a diferentes eventos
históricos nos quatro cantos do mundo. Todavia,
ninguém até hoje foi capaz de fazer previsões
acuradas do futuro com base nas profecias de
Nostradamus.
Recentemente uma profecia interessante foi divulgada
por Raymundo Lopes, o visionário Mineiro que alega
ter tido dezenas de encontros com a Virgem Maria, que
num deles lhe apresentou Jesus, seu filho, em pessoa.
Além de ter visto Santa Catarina, Santa Teresinha e
muitos anjos, Raymundo Lopes levado a sério seria
sem dúvida o maior visionário de todos os tempos.
Segundo ele, no dia 1º de junho de 1998, em Fátima,
na Cova da Iria, teve a visão de um Anjo que lhe
disse (sic): "Eu sou o Anjo deste país. A
Santíssima Virgem manda lhe dizer que estará de
retorno neste local, no dia 25 de julho do ano 2000,
ao meio-dia". Desnecessário comentar que a
Virgem não apareceu em Fátima nessa data e horário
e portanto a profecia não se cumpriu.
Finalmente, amigo leitor, se você ainda tem
dúvidas, faça o seguinte experimento: no próximo
fim de ano destaque e guarde as folhas de jornais e
revistas contendo as tradicionais previsões para o
ano seguinte. Passado um ano releia-as e vai se
surpreender com a inconsistência, aleivosia e
desfaçatez desse tipo de pseudociência cujo
negócio é a previsão do futuro.