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Micro/Macro
O paradoxo de Fermi
(ou onde estão os extraterrestres?)
MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA
Enrico Fermi foi um dos grandes físicos do século 20 e da história. Além de
descobrir uma das propriedades mais importantes da matéria (a de que
partículas como elétrons, prótons e nêutrons, quando sujeitas a alta
pressão, exercem uma força repulsiva que explica a condutividade térmica de
metais e a estabilidade de estrelas de nêutrons), foi o pioneiro do estudo
de reação nuclear em cadeia, importante para bombas atômicas e reatores
nucleares. Além de sua legendária rapidez de cálculo e habilidade em estimar
respostas para perguntas aparentemente absurdas ("Quantos afinadores de
piano moram em São Paulo?", por exemplo), Fermi gostava de criar paradoxos.
No verão de 1950, ele estava em Los Alamos, onde a bomba nuclear americana
foi desenvolvida. A revista "New Yorker" tinha publicado uma charge com um
ET roubando todas as latas de lixo de Nova York, aparentemente explicando o
seu misterioso sumiço. Durante o almoço, Fermi comentou o assunto. De
repente, no meio da conversa, ele exclamou: "Cadê todo mundo?". Seus colegas
sabiam que Fermi falava dos ETs. Mesmo que ninguém tenha publicado o que foi
dito, podemos estimar o teor da discussão.
Nossa galáxia tem 100 mil anos-luz de diâmetro e uma idade aproximada de 10
bilhões de anos. Vamos supor que a vida só é possível em planetas como a
Terra, girando em torno de estrelas como o Sol. Foram necessários 5 bilhões
de anos para que a vida inteligente se desenvolvesse aqui na Terra, metade
da idade da galáxia, a segunda metade. É razoável supor que estrelas como o
Sol tenham surgido também durante os cinco primeiros bilhões de anos de
existência da galáxia. Portanto, deveria haver várias civilizações
inteligentes, muito mais antigas que a nossa, talvez bilhões de anos mais
antigas. Supondo que existam, imaginemos uma "apenas" 1 bilhão de anos mais
velha. Se os ETs fossem capazes de viajar à 1/10 da velocidade da luz, em 1
bilhão de anos já poderiam ter atravessado a galáxia mil vezes. Ou seja,
essa civilização já poderia ter colonizado a galáxia inteira. Cadê todo
mundo? Esse é o paradoxo de Fermi.
Inúmeras soluções foram propostas ao longo dos anos. Não tendo espaço para
discuti-las em detalhe (o leitor pode consultar o livro de Stephen Webb, "Where
is Everybody?") , menciono os três tipos de solução.
1) "Eles estão aqui". A mais popular para os que acreditam em objetos
voadores não-identificados e em intrigas secretas, especialmente as
atribuídas ao governo americano. Infelizmente, não existem provas
convincentes. Uma idéia curiosa é a de que vivemos em uma zona de proteção
criada por ETs. "Eles" não querem que saibamos de sua existência. Esse
cenário, embora interessante, não pode ser testado.
2) "Eles existem, mas ainda não se comunicaram conosco". Ou porque os sinais
ainda não chegaram, ou porque ainda não somos capazes de decodificá-los, ou
porque os alienígenas não querem se comunicar.
3) "Eles não existem". Planetas rochosos com água são raros, a vida é rara e
a vida inteligente mais ainda, especialmente no mesmo nível mental e
tecnológico alcançado por nós.
A evidência de que dispomos aponta em uma direção: estamos sozinhos.
Felizmente, ainda não podemos concluir nada com base nisso. A situação pode
mudar a qualquer momento, com um sinal de rádio, uma visita com provas. Mas,
se estamos sozinhos, temos a responsabilidade de preservar nosso planeta e a
vida nele. Até estarmos prontos para colonizar a galáxia.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do
Céu"
Publicado originalmente na coluna
Micro/Macro do caderno Mais!, jornal Folha de S. Paulo,
em 03/07/2005
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