MILAGRE? UMA QUESTÃO DE
CIÊNCIA E FÉ
por: John Allan
Paulos
Milagre? Uma questão de
ciência e fé.
Milagres?
Milagres aqui, acolá e por todo o lado. Discussões
públicas acerca de milagres têm aparecido nas revistas
Time, Newsweek e diversos jornais, na TV, rádio e em
filmes tais como "O Sexto Sentido".
Um caso interessante ocorrido nos EUA é o de Katharine
Drexel, uma rica herdeira, freira e obreira
social da Filadélfia falecida em 1955 cujo processo de
beatificação está entrando em sua fase final.
O processo gira em torno do reconhecimento oficial de
dois milagres póstumos a ela atribuídos.
Que a Irmã Drexel era uma mulher admirável, compassiva
e altruísta que se privou de sua considerável fortuna e
que fez do mundo um lugar melhor para se viver, eu não
tenho dúvida. É com a noção genérica de milagres que
eu tenho dificuldades.
O que significa essa palavra? Se um milagre é
simplesmente um evento muito improvável, então milagres
acontecem todos os dias. É só perguntar a alguém que
ganhou na loteria.
Mas se um milagre é alguma espécie de intervenção
divina, algumas questões nos vêm naturalmente à mente.
Porquê, por exemplo, o salvamento de algumas crianças
após um terremoto é comumente considerado um milagre
enquanto que a morte de talvez centenas de outras
crianças igualmente inocentes, no mesmo desastre, é
atribuída a uma falha geológica da crosta terrestre?
Pareceria mais razoável considerar ambos o resultado de
uma intervenção divina, ou ambos a consequência do
deslocamento de placas tectônicas.
O mesmo raciocínio vale para outras tragédias. Se a
cura de uma doença grave é considerada um caso de
intervenção divina, a que atribuir a aquisição da
doença? Ninguém exceto os mais obscurantistas crêem
que a AIDS seja algum tipo de castigo divino.
No caso da Irmã Drexel, duas crianças deficientes
auditivas oraram (ou seus pais oraram) à Irmã Drexel
anos após sua morte, e logo obtiveram curas expontâneas
inexplicadas. Mas tais curas acontecem mesmo, às vezes,
bem como pioras expontâneas e inexplicadas muito mais
frequentemente.
Desconhecer as suas causas, em ambos os casos, não
significa que sejam ocorrências de intervenção divina.
De fato, os cientistas são frequentemente incapazes de
atribuir uma causa específica ao surgimento de uma
doença ou à sua cura. Análises estatísticas e ensaios
clínicos conduzidos não com uma ou duas pessoas, mas
com grandes amostras da população, são algumas vezes
insuficientes para determinar as causas.
Se alguém realmente pretende investigar a relação
causal entre orações e curas, terá que examinar um
grande número de casos, estabelecer limites de tempo aos
processos de cura, pesquisar os rezadores e a pessoa ou
entidade a quem são dirigidas as orações, comparar os
índices de cura daqueles que oram com os daqueles que
não o fazem, e precaver-se contra o auto-engano e a fé
naquilo que a gente quer que seja verdade.
Um outro problema inerente à proclamação de milagres
foi descrito há muito tempo por David Hume, o filósofo
escocês do século XVIII, e enunciado da seguinte forma:
qualquer evidência indicando que um certo fenômeno
viola miraculosamente uma lei científica é também
indício de que essa lei científica em questão é falsa
ou irrelevante. Por exemplo, se alguém antes de Graham
Bell inventar o telefone tivesse escutado a voz de um
amigo a centenas de quilômetros de distância, a
evidência atribuída a esse evento
"miraculoso" seria também a prova de que as
leis da física que pareciam ter sido violadas pelo
evento (referentes à propagação do som no ar, por
assim dizer) estariam erradas ou não se aplicariam.
Virou moda dizer que religião e ciência caminham juntas
e não são mais de modo algum incompatíveis, mas sim
dizem respeito a diferentes terrenos. Dizem-nos que a
religião trata da fé e a ciência ocupa-se dos fatos. A
Fundação Templeton com sede em Radnor, EUA, outorga um
prêmio anual a quem haja feito a maior contribuição
para promover essa harmonia entre religião e ciência.
É difícil alguém opor-se à harmonia, mas eu não
acredito que qualquer tentativa para homogeneizar dois
corpos de idéias tão díspares possa obter sucesso. De
muitas formas (mas não todas) eles permanecem bem
distintos e refletem estruturas mentais diferentes.
Uma vez que fazer com que as pessoas mudem suas opiniões
a respeito destes assuntos exige um milagre (no sentido
de que é extremamente improvável), eu vou parar por
aqui. Bem, nem tanto. Sempre podemos ficar contentes,
qualquer que seja a causa, sabendo que as duas crianças
que oraram à Irmã Drexel recuperaram completamente a
sua saúde.