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QUÍMICA
Efeito de armazenamento de propriedades de
substâncias que explicaria como a homeopatia funciona dura pouco
"Memória" da água é curta, afirma estudo
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma boa e uma má notícia para os entusiastas da homeopatia.
Cientistas acabam de demonstrar que a água de fato tem memória -a
capacidade de armazenar de algum modo propriedades de substâncias que já
estiveram diluídas nela, mas não estão mais lá. Os pesquisadores também
constataram que a "lembrança" dura no máximo 50 femtosegundos.
Um
femtosegundo é o equivalente a um bilionésimo de milionésimo de segundo
(em miúdos, um intervalo de tempo ridículo). "Depois de uns 30 a 50
femtosegundos, a água perde a sua memória", diz R.J. Dwayne Miller, da
Universidade de Toronto, no Canadá, autor principal do estudo que sai
hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com).
A idéia da memória da água tem sido proposta como explicação para o
funcionamento da homeopatia, terapia na qual uma substância ativa é
diluída em água a ponto de não restar mais nada dela no remédio final.
Essa "memória" foi aventada pelo imunologista francês Jacques
Benveniste. Ele fez a proposição num artigo na mesma "Nature" em 1988,
mas nunca foi levado a sério -seus resultados laboratoriais nunca foram
reproduzidos, o que colocou a hipótese numa posição muito suspeita. A
nova pesquisa de Miller, em cooperação com cientistas do Instituto Max
Born, na Alemanha, joga ainda mais água fria na idéia. "Nós não
estudamos homeopatia, então não posso comentar especificamente sobre sua
validade", esquiva-se Miller, "mas sobre a sua proposta de
funcionamento, ou seja, que a água retenha de algum modo "memória" de
substâncias com que tenha tido contato, isso claramente está errado."
As moléculas de água são compostas por dois átomos de hidrogênio e
um de oxigênio, no formato aproximado de um "V" (o oxigênio fica no
vértice, e os hidrogênios nas pontas). Essa forma faz com que ela seja
uma molécula com polaridade (o lado de cima do "V" é positivo, por conta
da carga elétrica do hidrogênio, e o lado de baixo é negativo, pelo
oxigênio). É essa polaridade que faz com que a água interaja tão bem com
outras substâncias, quebrando-as (diluindo-as), como ocorre com o sal de
cozinha.
Um copo d'água tem uma infinidade de moléculas. "Nós
sabemos como se comporta uma delas, duas ou três, mas não sabemos o que
acontece quando há uma infinidade delas", diz Miller. Daí a idéia de que
talvez ela pudesse "guardar", em sua distribuição dentro do copo, uma
"memória" de como foi ter "vivido" com moléculas de outras substâncias.
O teste foi feito estimulando as moléculas de água com partículas de
luz e observando a "resposta" que ela dava (enviando algumas dessas
partículas de volta). Segundo Miller, levou uns três anos só para bolar
um esquema experimental que conseguisse obter esses resultados. Mas deu
certo. Uma vez colocadas numa posição específica pela luz, as moléculas
retêm a memória dessa alteração. "Toda a estrutura, no entanto, é
perdida em 30 a 50 femtosegundos", diz o pesquisador.
O objetivo
dos cientistas com o estudo não foi atacar a homeopatia. Eles buscam
entender como a água funciona. Suas propriedades são extremamente
importantes, especialmente no contexto biológico -ela é essencial para o
surgimento da vida. "Queremos ver se com isso criamos modelos melhores
da água e conseguimos entender o que ela tem de tão especial", diz
Miller.
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