Corpos incorruptíveis -
milagre ou mito?
por Jorge A. B. Soares
Dentre as mais incríveis relíquias religiosas estão os corpos de santos
e beatos que supostamente permaneceram incorruptos – ou seja, não
sucumbiram à decomposição orgânica. Contudo, em muitos casos a
investigação revelou uma explicação natural bem mais plausível.
Por exemplo, quatro
anos após São Felipe Néri (1515-1595) ser enterrado sobre a nave de uma
pequena capela, seu corpo foi encontrado tão bem preservado – segundo os
médicos – que foi considerado “indubitavelmente miraculoso”. Este caso
simplesmente indica o estado de credulidade dos médicos da época (ou
então a pressão que eles sofreram para atestar o milagre) uma vez que
sempre se soube que as vísceras de Felipe haviam sido removidas e o
corpo embalsamado de maneira simples logo após a autópsia do santo em
1595. Também uma referência recente ao “último embalsamamento”
sugere que o corpo tenha sido repetidamente preservado (Cruz 1977,
210-12).
Em muitos casos os
corpos devem ser classificados, na melhor das hipóteses, como antes
incorruptíveis. Por exemplo, o corpo de Santo Eduardo o Confessor
(1004-1066) foi exumado 36 anos após sua morte e achado “perfeitamente”
incorrupto; contudo quando a urna funerária foi reaberta em 1685 os
restos mortais haviam sido reduzidos ao esqueleto. Também, quando o
corpo de Santa Inês de Montepulciano (1268-1317) foi colocado entre as
paredes do altar principal da igreja, o túmulo infelizmente estava bem
úmido, provocando a decomposição do corpo.
Ainda outros corpos
“incorruptíveis” são mais acuradamente descritos como mumificados; isto
é, o corpo está dessecado – uma condição que pode ocorrer naturalmente
sob certas condições (tais como ser mantido num túmulo seco ou
catacumbas), ou ser induzido por embalsamamento. Por exemplo, 45 anos
após a morte de São João Maria Batista Vianney (1786-1859) seus restos
mortais foram achados “secos e escurecidos” mas as vísceras foram
removidas como medida de conservação e a face coberta com uma máscara de
cera (como é comum nesses casos).
Em outros casos, o
corpo aparentemente saponificou – um estado natural no qual os tecidos
do corpo essencialmente transformam-se em sabão por debaixo da pele
endurecida. A substância amoniacal, semelhante a sabão, é chamada
“adipocere” e ocorre em alguns casos de enterro em solo úmido. Enquanto
que casos de saponificação podem resultar em alegações de
incorruptibilidade em culturas católicas, em certos países eslavos
realimenta-se a lenda do “morto-vivo” espetando uma estaca afiada de pau no
coração do “vampiro”. Na América do Norte rural tais casos são
conhecidos como exemplos de pessoas “petrificadas”.
Um dos casos mais intrigantes de
incorrupção é o de Santa Zita (1218-1278), que viveu em Lucca, na
Itália. Quando morreu, foi sepultada numa cova comum. Exumado três
séculos depois, seu corpo estava completo e intacto. Sem nenhum sinal de
manipulação. Permanece assim até hoje, passados mais de 700 anos. "É uma
bela múmia", diz o legista italiano Gino Fornaciari, da Universidade de
Pisa, que já examinou vários "incorruptíveis".
Como Santa Zita, os corpos de santos como
Ubaldo de Gubbio e Savina Petrilli se mantêm conservados. Especialistas
acreditam que as condições ambientais existentes no interior das
igrejas, onde a maioria dos "incorruptíveis" foi sepultada, podem
explicar o fenômeno. "A temperatura nas igrejas é baixa e há pouca
variação entre o inverno e o verão", observa o médico Ezio Fulcheri,
legista da Universidade de Gênova.
Afinal, o que
concluir acerca da incorruptibilidade? A morte de todo o ser vivo é
seguida pela sua inexorável decomposição e reciclagem em elementos
simples e, por outro lado, não existem evidências fortes para sustentar
que algumas centenas ou milhares de santos e beatos constituam uma
exceção às leis da natureza. Assim como muitos outros “milagres”, a
incorruptibilidade é aceita pelo fiel com pouca ou nenhuma investigação
para ver se existe ou não uma explicação mais plausível do que a
intervenção divina.
BIBLIOGRAFIA:
Edwards, Harry. Incorruptibility: Miracle or Myth? - Investigator 45,
1995 November.
http://www.adam.com.au/bstett/PaIncorruptibility.htm
Marques, Fabrício. Corpos venerados - Revista Época, edição 158
de 28/05/2001.
http://epoca.globo.com/edic/20010528/soci1a.htm
Stein, Gordon. The Encyclopedia of the Paranormal. New York: Prometheus
Books, 1996.