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Fantasmas e assombrações
por Jorge
A. B. Soares
Você acredita em
fantasmas? Eu não disponho de pesquisas de opinião pública
brasileiras, porém sabe-se que 33% dos norte-americanos, 38% dos
ingleses e 48% dos chineses de Taiwan acreditam em fantasmas.
A crença em
fantasmas faz parte do nosso universo cultural. Herdamos dos nossos
pais a noção de que cada um de nós possui uma contraparte
sobrenatural – a alma ou espírito – que registra todas as
habilidades e experiências acumulados durante a nossa vida inteira;
e de que quando o corpo físico morre a alma sobrevive e vai para um
mundo sobrenatural (céu, plano astral, Hades, etc.). Segundo a
tradição, um fantasma é a visão ou aparição de uma alma do outro
mundo a alguém ainda vivendo no plano físico.
Basta você puxar o
assunto em qualquer roda de conhecidos, e logo ouvirá histórias de
espectros que apareceram nos mais diversos locais e circunstâncias.
São clássicas as histórias de casas mal-assombradas, geralmente
associadas a locais onde pessoas passaram por tragédias ou traumas.
Um fantasma pode-se apresentar como uma imagem, sons, odores,
toques, sensações de frio, impressão de presença intrusa ou qualquer
combinação de impressões. No fenômeno chamado de “poltergeist”, além
dessas percepções há ocorrência de efeitos físicos: móveis se
movendo, portas se abrindo, luzes piscando, objetos voando, etc.
A mídia ganha muito
dinheiro explorando o mistério e fascinação das histórias de
fantasmas, especialmente Hollywood com seu gênero de filmes de
terror. Nos países anglo-saxões, aficionados se organizam em grupos
de caça-fantasmas (“ghostbusters”) munidos de aparelhagem
sofisticada para fazer o registro das assombrações. Eles exibem
fotos e vídeos, leituras de temperatura, campo magnético e gravações
de som que lhes dão a convicção da existência real de fantasmas.
Desde 1882, com a
fundação em Londres da Society for Psychical Research, este tema vem
sendo investigado extensivamente com recursos e métodos científicos
e ao longo desses 122 anos milhares de estudos têm sido publicados.
Nas últimas décadas, o desenvolvimento acelerado das neurociências
veio trazer explicações mundanas, científicas, a esse fenômeno que
era tido como sobrenatural e o consenso atual da comunidade
científica é que não existem provas ou evidências objetivas de que
fantasmas sejam entidades reais. Eles são melhor explicados como
alucinações (hipnagógicas ou hipnopômpicas), imaginação
super-desenvolvida, confabulação da memória, erros de testemunho
humano, trotes e fraudes, etc.
Experimentar uma
alucinação não significa que alguém está sofrendo das faculdades
mentais; elas acontecem esporadicamente a todos nós pessoas normais.
Por exemplo, alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas ocorrem quando
caímos no sono ou ao despertar, respectivamente. A pessoa pode se
sentir paralisada ou flutuando fora do corpo. E usualmente vê
fantasmas, alienígenas, monstros ou alguma outra criatura estranha,
e a experiência lhe parece muito real, muito mais vívida que um
sonho típico. John A. Thomas relata uma experiência desse tipo em
seu dormitório, na qual viu e tocou seu pai, falecido três anos
antes, e comentou: “posso testemunhar que a experiência foi
impressionantemente real”.
Os psicólogos
estimam que 4% da população é constituída por pessoas com
personalidade propensa à fantasia. Essa gente é perfeitamente normal
exceto que tendem a fantasiar a maior parte do tempo, experimentam
suas fantasias completas com tato, olfato e audição, e são
facilmente hipnotizadas. Elas tendem também a misturar suas
fantasias com memórias de eventos reais, construindo novas memórias
que parecem reais mas não são. Este processo é chamado de
confabulação da memória, e todos nós fazemos isso em certo grau.
Pessoas propensas à fantasia não são loucas, de jeito nenhum. Apenas
uma parte de suas funções cerebrais funciona em grau mais intenso do
que na maioria das pessoas. Há estudos demonstrando que tais pessoas
vêem fantasmas com mais freqüência que os outros e
acreditam sinceramente que suas memórias são reais.
Relatos de
testemunhas, não importa quão atento o observador possa ser, são
notoriamente não confiáveis devido ao fato que a percepção humana e
a memória são processos criativos e construtivos. A percepção não é
somente uma função direta dos sentidos, mas depende também do que
sabemos e acreditamos sobre o mundo. Em outras palavras, quando a
entrada sensorial é fraca ou nula, tendemos a compensar ou completar
a diferença para formar uma imagem plausível da realidade. Isso
freqüentemente nos leva a erros de percepção quando imagens internas
se sobrepõem às externas. Edmund Parish relata uma ocorrência em que
diversos marinheiros viram o fantasma do cozinheiro do seu navio,
falecido alguns dias antes, andando sobre as águas e mancando da
forma que lhe era peculiar. Esse fantasma acabou sendo depois
identificado como o "destroço remanescente de um naufrágio, subindo
e descendo ao sabor das ondas."
Praticamente todos
os casos de “poltergeist” quando investigados seriamente e em
profundidade revelaram-se produtos de simulação e fraude onde os
fenômenos extraordinários são provocados geralmente por uma criança
ou adolescente com distúrbios psicológicos, querendo chamar a
atenção sobre sua pessoa. Há testemunhos visuais e provas em fotografia e vídeo
documentando essas fraudes.
Cientistas de
renome, tais como Persinger, Roll, Wiseman, Spottiswoode e muitos
outros descobriram vínculos ambientais (além de estímulos visuais)
em locais considerados “assombrados” – de campos magnéticos
variáveis e infrasom, a correlações com o Tempo Sideral Local.
Qualquer que seja a correlação, todas elas parecem apontar para o
cérebro humano como sendo a chave para aceitar esses gatilhos e
criar experiências anômalas. Muitos locais assombrados mostram
alterações ambientais, especialmente em campos magnéticos estáticos
e de corrente alternada, bem como outras flutuações singulares.
Essas variações podem ludibriar o cérebro, criando uma sensação de
presença intrusa, calafrios, formigamento descendo pela espinha,
etc., que são sinônimos de assombrações.
Em 1998, Vic Tandy
e Tony Lawrence publicaram no Journal of the Society for
Psychical Research um trabalho intitulado "Ghosts in the Machine"
onde citam o infrasom como causa das aparições observadas pela
equipe num laboratório em Warwick. As sensações estranhas que
sugeriam inicialmente a atuação de algum fator sobrenatural, eram na
verdade causadas por infrasons emitidos por um exaustor do sistema
de ar condicionado do laboratório que apresentava defeito mecânico.
Um princípio
filosófico formulado por William de Ockham, conhecido como “navalha
de Ockham”, diz que não há de se aceitar múltiplas entidades sem que
seja necessário. Os homens de ciência, observam um fenômeno e
avaliam que ele pode ser melhor explicado com poucos elementos do
que com muitos; ou ainda: se temos uma teoria complexa, com muitos
elementos, e uma teoria simples, com poucos elementos, é mais
razoável dar mais chances para a teoria simples. Aplicando a
“navalha de Ockham” aos fenômenos de fantasmas e assombrações, se a
ciência pode explicar todos esses fenômenos com teorias simples
embasadas em elementos e leis naturais amplamente conhecidos, não há
razão para atribuí-los a entidades sobrenaturais das quais não há
evidências objetivas e cuja existência nunca foi até hoje
comprovada.
No caso dos
fantasmas, podemos concluir que “o fantasma está na cabeça de quem o
vê”, ou em outros termos, “não existem casas
assombradas, mas sim mentes assombradas”.
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