Visitantes extraterrestres
Marcelo
Gleiser
especial para a Folha
Poucos assuntos são mais fascinantes do que a
possibilidade de vida extraterrestre. Dezenas de milhões
de pessoas no mundo inteiro afirmam ter visto objetos
voadores não-identificados. Milhões afirmam não só
terem visto os 0vnis como terem entrado neles, na maioria
das vezes sequestrados por seres extraterrestres
extremamente curiosos, em particular sobre a biologia
reprodutora humana. "Fotos" de discos voadores,
de charutos voadores, de espaçonaves das formas mais
diversas aparecem todas as semanas em jornais e revistas.
Mais recentemente, a série de TV "Arquivo X",
com seus agentes do FBI lutando contra uma aliança entre
setores do governo norte-americano e invasores
alienígenas, vem hipnotizando audiências na América do
Norte e do Sul. Por que esse interesse enorme por seres
extraterrestres? E, afinal, onde eles estão?
As respostas a essas perguntas podem facilmente encher
vários livros. (E já o fizeram, como, por exemplo, o
livro do astrônomo americano Carl Sagan "0 Mundo
Assombrado por Demônios", ou o do físico inglês
Paul Davies "0 Quinto Milagre".) Hoje, gostaria
de tratar mais da segunda questão: onde estão os
extraterrestres? Mais precisamente, por que os cientistas
não acreditam nos depoimentos de tanta gente? As razões
são várias e gostaria de examinar algumas delas: a
maioria absoluta das milhões de histórias de sequestro
por seres extraterrestres contém idéias semelhantes.
Uma luz intensa aparece no quarto da vítima à noite, a
vítima "flutua" em direção à espaçonave,
onde ela é sujeita a vários exames médicos, em geral
focados nos seus órgãos sexuais. Após essas torturas,
a vítima "flutua" de volta para a sua cama.
Apesar de as vítimas desses sequestros jurarem que suas
experiências realmente aconteceram, às vezes sendo
profundamente traumatizadas por elas, jamais são capazes
de fornecer uma prova concreta de um contato com outros
seres vivos, por exemplo algum aparelho ou objeto que
tenha sido manufaturado em outro planeta. Tudo se passa
como em um daqueles sonhos extremamente reais, que fazem
confundir o que é sonho e o que é realidade mesmo após
acordar. Por que esses seres extraterrestres,
inteligentes o suficiente para desenvolver uma tecnologia
de transporte interestelar, têm de repetir as mesmas
experiências milhares de vezes? Nossa biologia não é
assim tão complicada. Por que eles jamais contatam
líderes políticos ou cientistas para trocar
informações mais relevantes, preferindo aparecer
sorrateiramente na calada da noite ou em lugares remotos
do planeta? Por que algumas de suas espaçonaves caem ao
chegar aqui, após viajarem por sabe-se lá quantos
anos-luz? Eu não duvido da honestidade de muitas dessas
pessoas que juram ter sido sequestradas. Mas, na
ausência de provas concretas, é mais fácil atribuir
suas experiências a alguma forma de alucinação do que
a um sequestro por um visitante extraterrestre.
Visitantes noturnos foram amplamente documentados a
partir da Idade Média e até bastante recentemente, mas
eles eram atribuídos a demônios que atormentavam suas
vítimas sexualmente.
Nossa galáxia, a Via Láctea, tem cerca de 100 mil
anos-luz de diâmetro e mais de 10 bilhões de anos de
existência. Desde a sua formação, um raio de luz
poderia tê-la atravessado de ponta aponta 100 mil vezes.
Se nós supuséssemos que apenas uma estrela em cada
bilhão tem planetas onde a vida inteligente se
desenvolveu, nossa galáxia teria centenas de
civilizações inteligentes. Certamente, algumas delas
teriam se desenvolvido bem antes de nós, talvez até
antes do nascimento do Sol há 5 bilhões de anos. Essas
civilizações teriam tido bilhões de anos para
desenvolver sua tecnologia e viajar pela galáxia,
colonizando planetas pelo caminho. Mesmo que suas
espaçonaves viajassem a apenas 10% da velocidade da luz,
elas poderiam ter atravessado a galáxia inteira milhares
de vezes. Será que nós somos assim tão insignificantes
que fomos esquecidos pelos extraterrestres? É possível,
mas improvável. Será que os extraterrestres existem,
mas não têm interesse em colonizar a galáxia? É
possível, mas difícil de confirmar. Ninguém mais do
que os cientistas adorariam confirmar a existência de
vida extraterrestre, especialmente vida inteligente. Mas,
enquanto não tivermos provas concretas, temos de nos
manter céticos.
Marcelo Gleiser é
professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "A Dança do Universo"
Publicado
originalmente na coluna Micro/Macro do caderno Mais!,
jornal Folha de S. Paulo, em 20/05/2001
|