O que é Paranormal
e Pseudociência?
Artigos em foco
Dicionários e Glossários
Livros de Paranormal
e Pseudociência
Links
|
Paranormal e Pseudociência em exame
|
|
Estados Alterados da Consciência
por Barry L. Beyerstein
Antes de discutir os estados alterados da consciência, precisamos
considerar o que está sendo alterado. Os termos “consciência” e
“mente” são freqüentemente usados de modo permutável mas os
psicólogos cognitivos geralmente usam “mente” para referir-se a uma
entidade maior que inclui ambos os processos conscientes e
inconscientes. Por “consciência” eles querem dizer o estado de estar
atento a alguma coisa. Nas espécies superiores, isto normalmente
inclui um tipo de meta-consciência, essencialmente a consciência de
estar consciente. Alguns teóricos preferem chamar este sistema de
consciência “executiva” ou “refletiva” para distingui-la da atenção
mais simples que compartilhamos com outras espécies sencientes. Por
contraste, eventos mentais não-conscientes são aqueles estímulos,
memórias, emoções e desejos operando fora da atenção subjetiva mas
que podem ainda afetar o comportamento ou o fluxo atual do
pensamento.
De ambas, introspecção e pesquisa, sabemos que é limitado o escopo
daquilo de que podemos estar conscientes a qualquer momento. Para
compensar esse gargalo, a consciência pode mudar o foco rapidamente,
seja voluntária ou involuntariamente. Este holofote que vagueia e
seleciona aquilo a que estamos atentos no momento é chamado de
“atenção seletiva”. O modo como a meta-consciência dispõe a
atenção seletiva tem muito a ver com as experiências conhecidas como
“estados alterados da consciência” (EACs). O termo EAC foi inventado
pelo parapsicólogo Charles Tart (1969) para referir-se a qualquer
um dos diversos desvios radicais do estado normal de vigília.
A pluralidade
da mente
Devido ao fato de que a meta-consciência está geralmente consciente
de apenas um eu e pode cuidar de apenas uma coisa de cada vez, é
costume imaginar a mente como um processo unitário, porém há muito a
sugerir que este não é o caso. Ernest Hilgard (1977) forneceu
suporte teórico e empírico à afirmação de que dentro de todos nós
existe uma “multiplicidade de sistemas funcionais hierarquicamente
organizados mas que podem ficar dissociados uns dos outros.” A
dissociação se refere ao aparecimento de barreiras de comunicação
transientes entre a meta-conciência e outros compartimentos mentais.
Entender o modo como os estados dissociativos acontecem é também
importante para compreender os EACs.
A meta-consciência mantém a continuidade do eu através do contato
com um feixe de memórias inter-relacionadas, atitudes e inclinações
que eu chamaria de modelo do eu. Ela também produz nossa percepção
de agência pessoal, ou seja, a sensação de que é esta entidade
auto-consciente que determina e dirige nossas ações. Em alguns
estados dissociados o modelo do eu fica temporariamente indisponível
enquanto outro, previamente escondido toma seu lugar. Enquanto dura
esse interlúdio, literalmente você não é você mesmo.
Os sistemas perceptual e motor do cérebro são organizados de modo
tal que ações bem praticadas ficam automáticas e daí para frente
requerem pouco monitoramento consciente. Assim, mesmo operações
complexas tais como dirigir um automóvel chegam a ser manipuladas
segura e eficazmente fora da consciência. Neste tipo de dissociação
cotidiana, a consciência executiva está livre para resolver
problemas abstratos ou perseguir vôos da fantasia enquanto que
subsistemas desacompanhados operam autonomamente. A meta-consciência
freqüentemente fica consciente de ações já iniciadas por um desses
sistemas desacompanhados e precisa urdir, retroativamente, uma
história que faça parecer como se a ação tivesse sido
conscientemente determinada.
Em casos extremos (geralmente traumáticos ou induzidos por drogas), a própria
meta-consciência é sobrecarregada e comportamentos que externamente
parecem ser conscientemente dirigidos desdobram-se em vez disso à
maneira de robô. Devido ao fato de que a lei exige intenção
criminosa (e por extensão, auto-consciência) antes de proferir uma
sentença de condenação, alguns réus escaparam à punição ao convencer
o tribunal de que agiram em estado dissociado.
Devido a que a meta-atenção se situa no topo da hierarquia
cognitiva, é raro que ela seja completamente suprimida a não ser em
sono profundo, transe ou coma. Em todos os casos menos os mais
profundos surtos psicóticos, automatismos ou uso de drogas,
permanece algum vestígio de auto-consciência. Às vezes, contudo,
mesmo este último resquício do modelo do eu desaparece e é somente
após o retorno ao estado normal de vigília que inferimos ter estado
em EAC. A rememoração de um sonho, um período de delírio ou uma
alucinação excepcionalmente vívida seriam exemplos de quando a
meta-consciência foi temporariamente sobrepujada pelas rudes
sensações de um EAC. Para complicar as coisas, é também possível
sair de alguns estados dissociados e não ter nenhuma lembrança
deles.
Não há necessariamente nada de paranormal em escapulir da
representação da realidade orientada-a-tarefas, dominada-pela-lógica,
para dentro de um desses fluxos mentais laterais. Embora os
parapsicólogos tenham afirmado que há habilidades sobrenaturais
associadas aos EACs, a opinião científica dominante contesta isso.
Os psicólogos concordam, contudo, que a mente contém sistemas
paralelos que podem conduzir tarefas simultaneamente, cada qual com
suas próprias sensações e intenções. Muita coisa interessante ocorre
fora da camada de auto-consciência, mas a consciência executiva
geralmente só fica cônscia dos produtos dessas deliberações
inconscientes, não dos processos em si. Se necessário for, ela pode
desviar a atenção para algumas dessas operações paralelas,
trazendo-as temporariamente à consciência.
Qualquer coisa que interrompa os mecanismos cerebrais responsáveis
pela auto-consciência, ou acesso à sua base informativa, nos fará
sentir muito estranhos – a marca inconfundível de um EAC. O homem
comum provavelmente acharia a noção de estados alterados menos
misteriosa se fosse mais amplamente conhecido o fato de que a mente
é uma comunidade de sistemas cerebrais paralelos, a maioria deles
trabalhando fora da consciência a maior parte do tempo. Se a atenção
seletiva se trancar num desse atalhos, a experiência poderá parecer
do outro mundo, a pesar de suas origens prosaicas.
Categorizando estados anômalos da
consciência
Ao tentar entender os EACs, um passo inicial útil é dividir a
profusão de experiências em categorias teoricamente significativas.
Uma maneira é agrupar os fenômenos de acordo como foram induzidos.
Isto poderia incluir estados que são: (a) espontâneos ou
neuropatológicos, (b) produzidos por exercícios mentais, (c) devidos
a manipulações sociais ou comportamentais, ou (d) precipitados por
ingestão química. Obviamente, alguns EACs poderiam ajustar-se em
mais de uma categoria.
EACs espontâneos
Neste grupo estão EACs devidos a anomalias cerebrais de severidade e
duração variáveis. Alguns são distúrbios neurológicos grandes,
outros somente ocasionais, irregularidades auto-limitantes em certos
sistemas cerebrais. Entre as doenças severas cujos sintomas mentais
têm sido confundidos com fenômenos sobrenaturais ao longo da
história estão a esquizofrenia e distúrbios afetivos, epilepsia,
algumas variedades de enxaqueca e a síndrome de Tourette.
Velhos ferimentos na cabeça podem ser responsáveis por efeitos
cognitivos intermitentes que alguns pacientes interpretam como
consciência mística. Por exemplo, Fenwick e seus colegas encontraram
uma alta incidência de traumas da cabeça e
disfunção do lobo temporal direito num grupo de “sensitivos” de
um colégio espírita local. Há também defeitos esporádicos dos
sistemas cerebrais que controlam o sono e o sonho que podem causar
experiências bizarras. Narcolepsia, uma abrupta intrusão do estágio
de sono com Movimento Ocular Rápido (REM, em inglês) na consciência de
vigília, é acompanhada por paralisia temporária e estranha imageria
mental (períodos REM estão associados a sonhos vívidos durante o
sonho normal.) Outras interrupções transientes do ciclo de
sono/vigília associadas com imagens grotescas e turbulência
emocional incluem a paralisia do sono e sono hipnagógico e
hipnopômpico (EACs que ocorrem nas margens entre sono e vigília).
Estes e fenômenos dissociativos correlatos tais como “estados de
fuga,” sonhos lúcidos, terrores noturnos e sonambulismo estão muito
bem descritos na bibliografia citada ao final deste artigo.
Embora a maioria das doenças mentais alterem a consciência
profundamente, EACs não são necessariamente indicadores de
neuropatologias crônicas. Por razões diversas, a circuitaria neural
que gera imagens mentais e emoções pode ser forçada a padrões de
atividade aberrantes, porém reversíveis. Alguns desses padrões
mimetizam temporariamente os causados por doenças neurológicas mas,
felizmente, eles abrandam. Os neurocientistas têm sugerido que
fatores psicológicos tais como estresse, medo ou choque extremos
podem instilar algumas das mesmas mudanças neurofisiológicas de
certas doenças ou drogas psicodélicas. Isto pode perturbar os
mecanismos que normalmente restringem sonhos vívidos às fases REM do
sono, permitindo que imagens de sonho da memória invadam a
consciência de vigília. A psicoterapia alternativa chamada
“respiração holotrópica” (breathwork) se baseia em alterar as
funções cerebrais de modo similar. Ela acopla sugestão, relaxamento
e respiração rápida e profunda para alterar a oxigenação do cérebro
e padrões de EEG. Isto induz EACs que os proponentes alegam trazer
benefícios pessoais e sobrenaturais. O jejum, parte de muitos
rituais de purificação, também afeta a química do cérebro em modos
que podem contribuir para EACs.
Estados transcendentes induzidos por
disciplina
Estes são estados alterados do cérebro produzidos por exercícios
mentais realizados para auto-aperfeiçoamento ou finalidades
místicas. Tais manipulações dos sistemas de atenção e despertar
incluem meditação, hipnose, isolamento social e sensorial, oração
prolongada, salmodiar, olhar fixamente bolas de cristal ou espelhos,
e dor auto-induzida. Um comitê do U.S. National Research Council
analisou declarações comerciais de que a indução de EACs por alguns
desses métodos poderia melhorar habilidades cognitivas. Esse comitê
achou pouco suporte empírico para a publicidade exagerada dos
patrocinadores.
Rotas sócio-comportamentais para EACs
Nesta categoria encontramos aplicações sociais sistemáticas dos
princípios para produção de EACs já vistos acima. Eles são a
essência do bem orquestrado encontro de renascimento cristão,
doutrinação em culto ou comício político totalitário — ou seja,
receitas para produzir experiências de conversão. EACs são induzidos
pelo uso de comportamentos prolongados, repetitivos discutidos
anteriormente. Privação de sono, alimento e água contribuem para a
condição exausta e desorientada. A sugestibilidade é aumentada por
pressões sociais incrementais empregando retórica planejada para
apelar às ansiedades arraigadas e necessidades psicológicas. A
eficácia deste regime de condicionamento social é aumentada por
controles rígidos sobre o fluxo de informação.
Transcendência farmacológica
Virtualmente cada cultura descobriu e inseriu no seu tecido social
plantas com propriedades psicoativas. Devido ao seu potencial de
perturbar a ordem social, esses tóxicos são rigorosamente
controlados pelo costume e lei. Plantas que alteram a consciência
continuam a ser usadas para fins cerimoniais, mágico-religiosos, de
melhoria de desempenho e recreativos. Essas espécies contêm
substâncias químicas suficientemente semelhantes aos neurotransmissores cerebrais de modo que sua ingestão altera
dramaticamente o funcionamento psicológico. Sabemos agora que os
diferentes efeitos psicológicos de várias plantas se deve ao fato de
que seus ingredientes ativos reagem com componentes químicos
específicos no cérebro. Este conhecimento permitiu aos químicos
criar novas drogas “planejadas” que possuem habilidades feitas sob
medida para alterar a consciência.
As culturas indígenas tipicamente atribuem a deuses que moram nas
plantas os efeitos dos alucinógenos que alteram a mente.
Psicofarmacologistas têm especulado sobre como a descoberta
acidental das plantas alucinógenas pode ter contribuído para a
fundação de várias crenças sobrenaturais e religiosas. Os leitores
interessando em se aprofundar nesta área conhecida como
“etnofarmacologia” devem consultar os trabalhos de Grinspoon e
Bakalar (1979) e Seigel (1989) citados na bibliografia ao final
deste artigo.
Existe um mecanismo fisiológico comum?
William Sargant concluiu que as similaridades entre os EACs
transcendentes que ele observou ao redor do mundo apontava para um
sistema cerebral comum que estava sendo afetado por diferentes
manipulações culturalmente específicas. Desde então, os
neurocientistas têm fornecido suporte a esse mecanismo. Existe um
circuito neural complexo encontrado nos níveis médios do cérebro dos
mamíferos, conhecido como sistema límbico. Ele tem uma variedade de
funções emocionais, motivacionais e de memória. Está também
envolvido nas funções de atenção e despertar discutidas
anteriormente. A estimulação elétrica de áreas límbicas em pacientes
de neurocirurgia produz intensas alterações da consciência,
incluindo todos os atributos básicos dos estados transcendentes ou
místicos.
Alguns tipos de enxaqueca e ataques epiléticos que se originam nas
estruturas límbicas do lobo temporal são também capazes de produzir
estados dissociativos similares. A idéia de que experiências
transcendentes são devidas à hiperativação das funções normais
emocionais e de imageria desse circuito é reforçada pela pesquisa em
neurofarmacologia mostrando que drogas psicodélicas exercem muitos
dos seus efeitos alterando a atividade no sistema límbico. E
finalmente, psicopatologias que estão associadas a profundos
distúrbios emocionais e alucinações são também conhecidas por
envolver anormalidades límbicas.
O neuropsiquiatra Arnold Mandell (1980) coligiu pesquisa em drogas
psicodélicas, neuropatologias e várias técnicas comportamentais
usadas para alterar a consciência e comparou seus efeitos com os
descritos na tradição mística. Ele mostrou como todas essas
manipulações eram capazes de afetar a atividade neural no sistema
límbico. Mandell implicou interações especiais entre o septo,
hipocampo e amídala como decisivas para a ocorrência de experiências
transcendentes. Este circuito pode ser afetado por vários estados
patológicos assim como por estimulação rítmica prolongada, privação
sensorial e as três grandes classes de drogas alucinógenas (as que
afetam os neurotransmissores serotonina, acetilcolina e as
catecolaminas).
Sumário
Este artigo argumentou que os estados alterados da consciência são
estados alterados de certos sistemas cerebrais. Especificamente,
esses são os sistemas representativos que codificam eventos externos
e internos, os sistemas emocionais que produzem seu tom afetivo e os
sistemas que regulam o despertar e a atenção. Vários processos foram
descritos que modificam temporariamente as interações entre esses
sistemas. O resultado é a dissociação entre a auto-consciência
executiva e suas fontes usuais de sensações, memórias e emoções.
Quando esses sistemas neurais são afetados por doença, estimulação
repetitiva, manipulações mentais ou ingestão química, nossa
percepção de nós mesmos e do mundo pode ser profundamente alterada.
Até que a experiência termine, a realidade parece
fundamentalmente mudada. Embora esses interlúdios dramáticos tenham
amiúde sido considerados sobrenaturais, é mais provável que, nas
palavras do psiquiatra William Sargant, é “... o cérebro do homem e
não sua alma que é afetada por técnicas místicas.”
Bibliografia:
Beyerstein, B. L. (1987) The Brain and Consciousness: Implications
for Psi
Phenomena. The Skeptical Inquirer, 12(2): 163-173.
Beyerstein, B. L. (1988) Neuropathology and the legacy of spiritual
possession. The Skeptical Inquirer, 12(3): 248-262.
Farthing, G. W. (1992) The Psychology of Consciousness. New York:
Prentice-Hall.
Grinspoon, L. and J. Bakalar (1979) Psychedelic Drugs Reconsidered.
New
York: Basic Books.
Hilgard, E. R. (1977) Divided Consciousness: Multiple Controls in
Human Action and Thought. New York: Wiley.
Mandell, A. (1980) Toward a psychobiology of transcendence: God in
the brain.
In J.M. and R.J. Davidson, eds., Psychobiology of Consciousness, pp.
379-
463, New York: Plenum.
Neher, A. (1990) The Psychology of Transcendence. New York: Dover.
Oakley, D. A., ed. (1985) Brain and Mind. London: Methuen.
Reed G. (1988) The Psychology of Anomalous Experience. Buffalo, NY:
Prometheus Books.
Sargant, W. (1957) Battle for the Mind: A Physiology of Conversion
and Brain-Washing. London: Pan Books.
Sargant, W. (1973) The Mind Possessed: From Ecstasy to Exorcism.
London: Pan Books.
Seigel, R. K. (1989) Intoxication: Life in Pursuit of Artificial
Paradise.
New York: Pocket Books.
Tart, C. T., ed. (1969) Altered States of Consciousness. Garden
City, NY:
Anchor Books.
Zusne, L. and L. Jones (1989) Anomalistic Psychology: A Study of
Magical
Thinking (2nd Ed.). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum.
Resumo traduzido
do ensaio "Altered States of Consciousness" publicado em "The Encyclopedia of the
Paranormal", (páginas 8 a 16) editada por
Prometheus Books Copyright
© 1996 by Gordon Stein |
|
COMENTÁRIOS:
paraciencia@hotmail.com
|
|