Micro/Macro
O desafio criacionista
MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA
No ano passado, um físico colega
meu, Lawrence Krauss, visitou minha universidade. Krauss é um conhecido popularizador de ciência,
autor de livros como "A Física de
Jornada nas Estrelas". Saímos para
almoçar e a conversa caiu no tema
do criacionismo. Krauss foi categórico: "Só o ato de debater com
criacionistas lhes dá uma credibilidade que não merecem". Eu discordei. "Larry, acho que essa atitude radical só piora as coisas. Se
cientistas, sempre prontos a debater entre si, não se dignarem a ir a
público para expor as limitações
do criacionismo, como iremos
vencer?" "Perda de tempo", replicou. "Eles não estão dispostos a
ouvir. É pregar
para surdos."
"É verdade
que existe uma
minoria radical
que não vai
mesmo mudar
de idéia", respondi. "Mas a
maioria das
pessoas é razoável. Se argumentos claros
forem apresentados, acho que irão
ouvir sim. Ninguém quer ser chamado de burro ou se sentir roubado de sua fé.
Porque é isso, percebe? As pessoas acham que, quanto
mais a ciência avança, menos justificativa têm para acreditar em
Deus. E isso é algo que poucos podem suportar."
Em 2004, o criacionismo explodiu no Brasil. Vertentes já existiam. Mas a decisão de Rosinha
Garotinho, governadora do Rio de
Janeiro, de impor o ensino do criacionismo na rede pública, teve
uma ressonância enorme na mídia. Uma pesquisa feita pelo Ibope
a pedido da revista "Época", publicada no último dia 3, soou o alarme: 31% dos brasileiros acreditam
que Deus criou o ser humano como somos hoje nos últimos 10 mil
anos (nos EUA o número é assombroso: 55%); 54% acreditam que o
ser humano vem se desenvolvendo ao
longo de milhões de anos, mas sob a
direção e intervenção de Deus; e 75%
crêem que o criacionismo deve substituir a evolução no currículo escolar!
Os números refletem, de forma trágica, o estado da educação científica
no Brasil. Mas o que é mais relevante é
que pessoas educadas também simpatizam com as idéias criacionistas. A
governadora é um exemplo, mas existem muitas outras. (Espero que a decisão dela não tenha sido apenas política, querendo se aproveitar de um
eleitorado evangélico crescente.)
Neste curto espaço não posso entrar
em muitos detalhes. Talvez o faça aos
poucos, retornando ao tema. O argumento-chave do criacionismo e do
design inteligente é que a evolução
não pode ser definitivamente provada
com os dados que existem, os fósseis
de espécies extintas. Segundo
a teoria, os indivíduos de uma
população têm
variações genéticas. Essas raras mutações
ocorrem por
acaso. A complexidade observada nas espécies é produto da seleção natural, que favorece as
variações mais bem adaptadas ao ambiente. Os criacionistas dizem que
existem buracos demais, que a complexidade do ser humano não pode
ser explicada apenas por mutações e
seleção natural. Somos, segundo eles,
produto de um criador, que tinha planos bem claros.
O design inteligente vai contra a
premissa fundamental da ciência, a
sua objetividade através da validação
empírica. Cientistas propõem teorias.
Essas teorias são passíveis de verificação. A genética provou a origem comum do gene. Jamais teremos todas
as respostas, mas temos muitas. E cada vez mais. Invocar Deus para preencher lacunas em nosso conhecimento
não avança o saber. É preciso ter coragem para aceitar nossas limitações.