Ciência vs. pseudociências
Javier Armentia,
Director del Planetario de Pamplona.
1. Introdução: o paradoxo atual
Comenta Ignacio Ramonet em seu livro "Um mundo sem
rumo: crise de fim de século": [1]
"Em sociedades presididas em princípio pela racionalidade, quando esta se dilui
ou se desloca, os cidadãos se vêem tentados a recorrer a formas de pensamento
pré-racionalistas. Voltam-se para a superstição, o esotérico, o ilógico, e estão
dispostos a crer em varinhas mágicas capazes de transformar o chumbo em ouro e
os sapos em príncipes. Cada vez são mais os cidadãos que se sentem ameaçados por
uma modernidade tecnológica brutal e se vêem impelidos a adotar posturas
receosas antimodernistas."
É certo que enfrentamos uma situação paradoxal: por um lado podemos coletar
numerosos indicadores da crescente importância (e necessidade) da ciência e suas
tecnologias na sociedade atual, da cada vez maior relevância da chamada
comunicação social da ciência (jornalismo, divulgação, museus ou centros de
ciência, mundo educativo... que constituem as ligações atuais entre a pesquisa
científica e os cidadãos); por outro, a avaliação ou apreciação social desta
mesma ciência não se ajusta ao papel que ela tem na sociedade. Mas além disso,
podemos perceber um crescente irracionalismo, associado normalmente com o que
neste trabalho denominaremos globalmente pseudociências (que definiremos por
extensão e por exclusão no tópico seguinte).
O paradoxo consiste em que se agora mesmo removêssemos os produtos da
tecnociência a civilização humana entraria em colapso. Apesar de a
desconhecermos ou subestimarmos, a ciência -atenção! também culpável de
cumplicidade com os sistemas econômicos e de poder, não se creia em uma espécie
de torre de marfim acima do bem e do mal-, a ciência, dizíamos, é o substrato
base do nosso presente e a única via factível de futuro. O problema deriva para
uma percepção da ciência como uma espécie de igreja com seus rituais e seus
oficiantes: nós cidadãos chegamos, em geral, a desfrutar dos dons da ciência mas
sem chegar a compreendê-los nem a analisá-los. Que isto seja errôneo e equívoco
não impede que algo assim suceda. Quando por uma razão ou outra se furta ou
evita o debate, a livre crítica que está no fundo do método científico, fica a
liturgia. E as pseudociências aproveitam este abismo entre ciência e sociedade
para aparecer como ciências quando realmente não o são.
2. Pseudociências: para uma
definição
Não podemos aprofundar mais a análise presente sem realizar algum tipo de
definição das pseudociências. Certamente, não é um tema simples, ainda quando
etimologicamente equivalha a "falsas ciências": disciplinas, portanto, que se
aparentemente se revestem do manto da ciência, não o são na realidade. O termo
"falso" parece indicar, sendo ademais no geral correto, uma certa intenção de
engano consciente: amiúde se tenta tal disfarce com o interesse de dar uma
respeitabilidade que possuem os produtos da ciência, e abusar da marca
científica na hora de silenciar as possíveis críticas.
Em outros casos, se usa o prefixo para como identificador de algumas destas
disciplinas, como é o caso da parapsicologia, ou no genérico de "fenômenos
paranormais": se põe assim evidente o próprio interesse dos promotores de tais
disciplinas em situar-se à margem da corrente principal da ciência. É muito
normal nesses setores se caracterizar o conhecimento científico como "ciência
oficial", com o claro interesse de desprestígio que supõe adscrever a ciência a
um certo establishment dogmático. Algo que encontrou certo eco no que se
denomina pensamento pós-moderno ou relativismo cultural, segundo cujos
postulados o conhecimento científico não é senão um dentre os possíveis, sujeito
aos mesmos vaivéns e influências irracionais das outras atividades humanas.
Levar-nos-ia fora do objetivo deste trabalho realizar uma crítica do
pós-modernismo. Recomendamos, em qualquer caso, o trabalho de Sokal e Bricmont
"Imposturas Intelectuais." [2]
Epistemologicamente, não obstante, fica complicada a definição de
pseudociências, por ser uma definição negativa: "o que não é, ainda que pareça,
ciência". Coloca imediatamente a questão sobre quem decide o que seja ou não
ciência. Ou seja, nos submerge no tormentoso assunto da definição de ciência, e
seus critérios de demarcação, um tema que ocupou uma boa parte da discussão
filosófica do nosso século. Para uma análise desse tema em profundidade,
recomendamos a leitura dos artigos de William Grey intitulados "Ciência e
psi-encia: a ciência e o paranormal" [3]. O também filósofo Paul Kurtz [4]
comenta que as pseudociências são matérias que:
a) não utilizam métodos experimentais rigorosos em suas investigações;
b) carecem de uma armação conceitual contrastável;
c) afirmam ter alcançado resultados positivos, embora suas provas sejam
altamente questionáveis, e suas generalizações não tenham sido corroboradas por
investigadores imparciais.
Podemos nos valer desta caracterização porquanto aponta traços que com
suficiente informação se pode tentar avaliar. Assim, temos o assunto da armação
conceitual, que poderíamos redefinir como "a existência de hipóteses não
refutáveis ou não falsificáveis" (no sentido popperiano). Sem entrar em detalhe
na questão da falsificabilidade, esta característica está presente em muitas
pseudociências. Apresentemos uns exemplos:
A psicanálise é uma teoria da mente que impede a realização de experimentos que
possam ser falseados. Uma afirmação clássica (e básica para o desenvolvimento de
sua teoria psicopatológica) da psicanálise é que todos os homens têm tendências
homosexuais reprimidas. Tentemos realizar uma prova que permita descobrir se
esta hipótese é científica: um teste de conduta e tendência que elucide se o
sujeito tem tais tendências. Se o teste falha, o psicanalista dirá que isto é
assim porque as tendências estão reprimidas, e não saem à luz; se o teste
resulta correto, o psicanalista o interpretará como uma comprovação de sua
hipótese. Não há maneira, portanto de saber se a hipótese pode ser falsa, e
portanto não é científica.
Outro caso extremo é dado por uma teoria solipsista. Seja: "Eu, Javier Armentia,
acabo de criar o mundo faz 25 minutos e meio, com tudo o que se pode ver nele
agora, incluindo o leitor deste artigo". Não há maneira de refutar esta
tresnoitada teoria: se alguém diz que possui lembranças da sua infância, ou
provas de que lá esteve, seus familiares, fotos, etc... sempre lhe poderei
contestar que eu acabo de criar tudo isso, inclusive a memória desse passado
inexistente. Bem, algo similar afirmam os chamados criacionistas evangélicos,
para quem a Biblia está literalmente correta. Se alguém tenta explicar que é
impossível que o mundo se criou há somente 6.000 anos, como afirmam, porque há
fósseis e rochas mais antigos, porque agora nos chega a luz de galáxias mais
distantes que 6.000 anos-luz, eles respondem que Deus, em sua infinita
providência, criou tais provas falsas: criou a luz a caminhar para a Terra, e
plantou os fósseis e rochas antigas...
Pensemos, finalmente, na homeopatia, doutrina médica segundo a qual diluições
extremas de um princípio ativo são capazes de ter os mesmos (ou superiores)
efeitos que o princípio sem diluir. As diluições homeopáticas são tão extremas
que nem sequer tomando o equivalente à água de todos os oceanos de medicamento
homeopático existe uma possibilidade real de encontrar uma só molécula de tal
princípio. Uma diluição homeopática CH14, típica por exemplo em alguns dos
medicamentos que se vendem atualmente em nossas farmácias contém 10-28 partes de
soluto (princípio) para cada parte de solvente (água normalmente). Se
recordarmos da química que o número de Avogadro nos dá o número de moléculas
presentes em um mol, 6.233 x 1023, em um mol de medicamento deste tipo haveria
tipicamente 6 x 10-5 moléculas: seriam necessários ao menos 10.000 mols (vários
metros cúbicos) para encontrar uma molécula. E isto com um CH14, mas normalmente
se encontram nestas farmácias diluições até CH18 ou CH20. É possível realizar um
teste sobre a homeopatia? Dificilmente: se dá negativo, os homeopatas vão
afirmar que isso se deve a que sua "Medicina" não fala de enfermidades, mas sim
de enfermos, com o que as provas epidemiológicas não se revelam adequadas. As
provas químicas tampouco valem: eles não renegam (agora, não certamente há dois
séculos) a química, só que invocam uma entelequia informacional, algo chamado
"memória da água", completamente indetectável, e não refutável, portanto.
Por outro lado, é certo que os proponentes das pseudociências são normalmente
muito resistentes à avaliação ou escrutínio público de seus experimentos. Isto
vem sucedendo, por exemplo, à parapsicologia durante o último século. Amiúde, um
sensitivo presumido (pessoa da qual se afirma que tem poderes mentais não
convencionais {1}) perde suas faculdades quando se delineia o experimento de
maneira que se evitem as possibilidades de fraude, isto é, de conseguir os
resultados mediante truques, como fazem os ilusionistas e mentalistas. Costuma
aduzir-se então a existência de uma espécie de força mental negativa que surge
normalmente dos céticos, e que bloqueia estas pessoas "sensitivas".
Algo similar sucede no caso dos videntes e astrólogos. Apesar de ganharem a
vida, amiúde, com suas atividades, muito poucas vezes permitem fazer provas
sobre seus poderes. De fato, eles próprios costumam superestimar suas
capacidades quando se pode contrastar sua habilidade, como mostrou Luis Angulo
[5], estudando predições publicadas de mais de uma dezena de videntes espanhóis.
Apesar de que afirmavam ser capazes de adivinhar corretamente acima de 90%, o
certo é que nenhum superava os 20% de acertos, incluindo como tais obviedades do
estilo "no verão haverá incêndios", etc.
Tem-se o costume de esquecer um princípio fundamental do método científico,
expresso na máxima de Hume: "o peso da prova reside em quem faz a afirmação", e
completado com "afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias".
Mais adiante falaremos do papel do ceticismo científico, mas atendo-nos a estas
máximas vemos como sistematicamente as pseudociências se furtam à análise para
evitar ter que demonstrar suas afirmações. A gente não tem que demonstrar que
não existem discos voadores: mas deve exigir aos que afirmam que são naves
extraterrestres que forneçam as provas suficientes para suportar tal teoria. E
que ademais essas provas sejam "extraordinárias": ou seja, que não sejam
circunstanciais ou um conjunto de casos curiosos. Podemos entender isto com uma
analogia: se eu afirmasse que na sala de minha casa tenho uma vaca, a afirmação
poderia parecer curiosa ou extravagante a qualquer um. Mas poderiam acreditar em
mim sem mais aquela (por outro lado, bastaria visitar a sala da minha casa para
comprovar a veracidade da minha afirmação). Porém, se o que afirmo ter em casa é
um unicórnio, as coisas mudam: a ciência nunca encontrou um unicórnio, e por
isso minha afirmação é extraordinária. Neste caso não bastaria que eu mostrasse
minha casa a uma pessoa (ou várias), e sim estaria obrigado a permitir que
especialistas -zoólogos neste caso- comprovassem que o que há em minha sala
realmente é um unicórnio, e não um cavalo com um chifre colado na testa...
Evidentemente, o mundo das pseudociências é tão amplo como o são as fronteiras
da ciência, onde elas ficam, adquirindo uma marca de "alternativo" bem a gosto
desta época de pensamentos tolerantes e Novas Eras. Mas podemos distinguir dois
tipos fundamentais, atendendo ao grau de "alarme social" que podem criar. É
claro que ler horóscopos, ou frequentar as mesas de adivinhos não vai provocar
maiores males além de uma perda econômica. Talvez, certos sujeitos sem
escrúpulos que aproveitam sua consulta de vidência para roubar às vítimas todo o
seu dinheiro e posses seriam o mais grave neste tipo de pseudociências.
Igualmente, algumas pessoas especialmente suscetíveis podem chegar a hipotecar
sua vida pelo que lhes digam ou deixem de dizer essas pessoas. Neste grau,
próximo ao mundo dos estelionatários, estão os produtos milagre, como a água
imantada que faz alguns anos encheu os lares espanhóis de ímãs em volta das
torneiras de água corrente. As maravilhas que prometiam estes inventos do TBO
eram tão inexistentes como a possibilidade de imantar a água... Jogando com a
incultura científica, estas companhias "matavam o boi" vendendo ímãs de
quinhentas a quinze mil pesetas.
O mesmo acontece com o assunto dos discos voadores: são crenças em princípio não
nocivas para o conjunto da sociedade. Uma vez mais, com a ressalva de fenômenos
sectários como o sucedido na esteira da passagem do cometa Hale-Bopp com a seita
"Heaven´s Gate", cujos adeptos se autoimolaram buscando a salvação com seus
amigos extraterrestres. Numa escala superior de periculosidade está precisamente
o mundo das seitas, que amiúde utiliza o atrativo do paranormal ou
pseudocientífico para conseguir novos adeptos. No fundo, entretanto, a
periculosidade destas seitas é um assunto difícil de definir, porquanto o limite
entre o que se conhece como seita e uma religião estabelecida poderia não ser
muito mais que demográfico.
Possivelmente, o grau mais alto da escala é ocupado pelas pseudociências
associadas aos temas sanitários. As mal chamadas medicinas alternativas supõem
em muitos casos um perigo real. Um exemplo é o caso divulgado há alguns anos em
Barcelona em torno do "método Hamer" de cura do câncer. Segundo este austríaco e
seus seguidores em vários países (médicos diplomados, por certo), o câncer tem
uma origem exclusivamente psicossomática: no fundo é produzido por uma atitude
negativa e autodestrutiva do paciente. A terapia que vai curá-lo é conseguir que
elimine tal negatividade, mediante terapias de grupo, esquecendo-se os
tratamentos "convencionais". Mas estes pacientes com câncer estão normalmente
perdendo a possibilidade de que um desses tratamentos os cure realmente, e está
perdendo na maior parte dos casos um tempo precioso para atacar o câncer antes
que seja irreversível.
É especialmente penoso constatar que em nosso país (também em nosso entorno
europeu) a ciência médica preste tão pouca atenção a estes fenômenos
pseudomédicos. Em especial, as organizações médicas colegiadas só lutam contra a
intrusão: ou seja, denunciam os que praticam pseudomedicinas se e somente se não
forem médicos diplomados ou não estiverem colegiados. Pelo contrário, em
numerosas organizações provinciais já se criaram seções oficiais de homeopatia,
naturopatia e outras pseudomedicinas. Pensemos na gravidade do tema quando nos
encontramos com enfermidades como o câncer ou a Aids (outro dos campos em que as
pseudoterapias estão literalmente matando pessoas com completa imunidade).
Finalmente, dentro desta caracterização difusa ou tipologia das pseudociências,
não deveríamos deixar de lado outras correntes de pensamento irracionalista
dentro do âmbito das ciências humanas. Devemos mencionar que fenômenos similares
aos comentados, e em alguns casos com grande capacidade de danificar nossa
sociedade, se produzem em outras áreas de conhecimento onde normalmente não
falamos de pseudociências. Nos referimos por exemplo a fenômenos relacionados
com a xenofobia e o racismo, amiúde (recordemos as teorias nazistas do III Reich
sobre pureza étnica ariana) sustentados com profusão de dados aparentemente
científicos. Numa escala similar se situam as colocações sexistas ou racistas
que se vêem frequentemente em nossa sociedade. Às vezes, por falta outras vezes
por excesso, ainda que esses temas nos levariam mais longe do que dá para ir
neste artigo. Igualmente, mencionaremos nesta linha certas tendências
extremistas que acontecem na temática do meio ambiente, onde se estão criando
quase sistemas de crença e se estão utilizando as piores artes das falsas
ciências para defender ideologias irracionais ou interesses econômicos. Um tema
amplo, onde no momento todavia há pouco debate crítico.
3. O mercado do paranormal:
oferta e procura
Comentávamos ao final do tópico anterior a existência de interesses econômicos e
de poder, algo que caracteriza toda a atividade humana, mais especialmente as
pseudociências. Parece que nós humanos temos necessidade de conhecer o que nos
depara o futuro, aliviar nossas penas e angústias, tentar melhorar... da maneira
que seja. As pseudociências normalmente proporcionam este tipo de alívio,
análise ou solução de maneira simples e a troco de um simples "donativo"
econômico. Esta procura é que permite a aparição do mercado do paranormal, que
move cifras dificilmente calculáveis, mas sempre astronômicas. Fala-se que
somente o assunto da futurologia supõe uma cifra superior aos 40 bilhões de
pesetas anuais (470 milhões de reais) em nosso país. Os medicamentos
homeopáticos começam a envolver cerca de um terço do volume de negócios das
empresas farmacêuticas européias...
Quando se debatem assuntos psudocientíficos às vezes se tende a recorrer à
refutação das hipóteses, ou à exigência de provas suficientemente sólidas que
lhes sirvam de suporte. Mas devemos reconhecer que em muitos casos, as pessoas
comuns não apelam a estes poderosos métodos de crítica. Damos mais peso à
autoritas: quem faz a afirmação, quem a relata. Isto nos remete ao papel dos
meios de comunicação, que "supomos" ter credibilidade, e nos quais às vezes
aparece este tipo de afirmações extraordinárias.
Comentava o professor emérito de jornalismo norteamericano Curtis MacDougall [6]
que levando em conta que grande parte do povo "conhece o que lê nos jornais"
(por extensão nos meios de comunicação audiovisual), estes têm um papel
fundamental na propagação e instalação das superstições modernas: "O que é que
uma pessoa saberia se durante o último quarto de século se baseasse somente nos
jornais norteamericanos para obter informação sobre percepção extrasensorial,
astrologia, predições do fim do mundo, espiritismo, fantasmas, poltergeists,
exorcismos, o homem das neves, serpentes marinhas, cura psíquica, clarividência,
ovnis e fenômenos similares? Teria essa pessoa os fatos?". A resposta é negativa
na opinião de MacDougall: estes temas se apresentam no geral (numa avassaladora
maioria dos casos) de maneira acrítica e torcida a favor do sobrenatural.
Mas conviria examinar em detalhe: um recente acompanhamento realizado a quatro
dos principais jornais de nosso país pelo jornalista Oscar Menéndez [7] durante
o mês de outubro de 1998, mostra que as notícias com forma pseudocientífica
aparecem normalmente em seções não relacionadas com a ciência e sim com meios de
comunicação (televisão), recolhendo o aparecido em programas televisivos. Em
geral o tratamento dado pelas seções de ciência (ciência, sociedade, ou futuro)
era bastante sóbrio. Faz falta um estudo mais completo sobre este tema, que -em
minha opinião- encontraria certas lacunas dentro das próprias seções de ciência,
especialmente relacionadas com pseudociências no mundo da saúde.
É certo que a imprensa escrita é bastante sóbria na acolhida destas temáticas,
que aparecem normalmente em amplos artigos de suplementos específicos ou de fins
de semana, normalmente, mais do que como notícias "propagandísticas". No
entanto, a situação muda se consideramos globalmente os meios de comunicação
Por um lado temos um setor de publicações especificamente dedicadas à promoção
das pseudociências: como Más Allá, Enigmas, Año Cero, Karma 7... Nelas, os
critérios de veracidade e verificação mínimos do trabalho jornalístico são
esquecidos: a única coisa que vale é o espetacular, os mistérios, um
conglomerado de filosofias Nova Era e expedientes X que têm em qualquer caso um
importante público em nosso país. Têm uma tiragem menor que as revistas de
divulgação científica (como Muy Interesante ou Quo), mas ao dedicar-se de
maneira monotemática a estes assuntos quase chegam a exclusivizá-los. Por fim,
as revistas de divulgação se dedicam principalmente à ciência e normalmente não
dedicam demasiado espaço aos temas paranormais.
A imprensa periódica de modo geral, como dizíamos, apenas trata esses temas.
Certamente, aparecem de vez em quando afirmações do paranormal sem suficiente
conteúdo crítico; certamente, também, não é nas seções onde a notícia científica
tem cabimento nesta mídia. A pergunta que podemos fazer é por que os critérios
básicos da atividade jornalística de comprovação da notícia soem ser suspensos
ao tratar desses temas. Quando se trabalha corretamente, o certo é que a
maravilha pseudocientífica cai por seu próprio peso, e fica na anedota.
O problema mais premente está na mídia audiovisual, na rádio e televisão. A
própria dinâmica dos mesmos permite mais facilmente apresentar o lado humano da
pseudociência (os videntes, os contatados...) mais nada. Mais todavia quando o
que se busca é o espetáculo, como sucede no que se sói catalogar como televisão
lixo. É difícil pensar que estes pseudodebates ou programas de testemunhas podem
fazer outra coisa que não seja apoiar esses mistérios aparentes. Em contrário, a
presença da divulgação científica nesta mídia é realmente escassa... Comentava a
esse respeito Miguel Ángel Almodovar [8] que estes programas se mantêm pelos
mesmos critérios que regem o resto da mixórdia: o índice de audiência, o que
significa benefícios através da publicidade. Mas que, como já aconteceu na
França, ao investigar sobre o tipo de público destes programas, sobre as
preferências de compra deste público, as próprias agências de publicidade acabam
deixando de apoiá-los, porquanto não lhes interessa esse perfil para suas
promoções. Um fenômeno que está chegando já ao nosso país: este ano os "teledebates"
que fizeram sucesso nas temporadas passadas foram desaparecendo, dando lugar à
formula dos ordinary-people-shows, que poderia no futuro seguir igual caminho.
Em qualquer circunstância, fica claro que numa fórmula competitiva em termos de
público e publicidade, os programas de divulgação científica, ou aqueles nos
quais se exponha um debate sério, com argumentos, estão completamente "fora de
moda".
Porque no fundo, a permanência e transmissão das pseudociências através dos
meios de comunicação pertence ao mesmo tipo de fenômeno que enfrenta a própria
comunicação social da ciência. Um tema sobre o qual não podemos nos estender
neste artigo, mas sobre o qual paira a própria agonia e renascimento do
jornalismo científico. Possivelmente, também, no caso das falsas ciências,
vive-se uma situação todavia mais exagerada, quando no mesmo lado da classe
científica (a pesquisa), estes temas são considerados de escasso interesse, ou
inclusive diretamente perniciosos. Isto é, se costumamos comentar que um dos
principais problemas que têm a comunicação social das ciências e o jornalismo
científico é o escasso interesse por parte dos próprios cientistas (obviamente
estamos generalizando) pelo tema, no caso das pseudociências temos dose dupla:
estes temas são mal vistos.
4. O ceticismo científico
No último parágrafo do tópico anterior abordamos o segundo paradoxo do mundo das
pseudociências: nem sequer os cientistas (em geral) vêem interesse nesses temas,
nem os consideram adequados para estabelecer uma crítica. É compreensível: o
fato é que um psicólogo especialista pode ficar completamente desconhecedor do
que se "vende" atualmente no mundo da parapsicologia, ou um astrônomo ignorar
por completo as afirmações dos astrólogos. Simplesmente, a própria
especialização do mundo da pesquisa científica provoca um completo desinteresse
por temas tão menores, de escasso conteúdo científico.
No entanto, é uma abordagem errônea, porquanto trata-se de assuntos que têm
capacidade de chegar facilmente ao cidadão, de maneira que a ausência (por
vontade própria) dos cientistas nestas arenas, deixa os proponentes, os mais
descabelados e os mais comedidos, com todo o cenário só para eles.
Este é o grande problema, e o grande desafio que as pseudociências colocam:
afinal, são populares, e continuarão sendo se não houver uma crítica racional a
elas. Esta ausência permite ademais uma certa impunidade por parte dos
proponentes das pseudociências, que ficam como únicos interlocutores no
panorama. Lembro-me a esse respeito de um programa de televisão, anos atrás, que
apresentava um caso de poltergeist: uma casa onde as coisas se moviam sózinhas
-supostamente- e em cujas paredes tinham aparecido manchas de sangue. Um dos
"especialistas" que estava nesse programa propunha como explicação que um
espírito de uma pessoa morta provocava a fenomenologia. Outra pessoa, que se
autointitulava "cientista", dizia que não era necessário: era energia da mente
de um dos moradores da casa, que se transformava em matéria, neste caso, em
manchas de sangue. Este pesquisador insólito aduzia como prova de suas
afirmações que, como todo mundo sabe, através da equação de Einstein a matéria e
a energia podem transformar-se, e que neste caso isso é o que havia acontecido.
Obviamente, fazia falta alguém que explicasse que se a primeira hipótese não era
científica (por não ser falsificável) a segunda era diretamente anticientífica,
isto é, uma pura estupidez. Receio, entretanto, que se os produtores do programa
tivessem convidado um cientista, este não teria podido senão balbuciar alguma
explicação: é difícil que tivesse um conhecimento da realidade do fenômeno dos
poltergeists...
É aí que entram em cena os céticos. Esta palavra tem uma conotação negativa,
proveniente da própria origem filosófica da doutrina da suspensão de juízo. Por
isso, vamos tentar esclarecer o termo. Em geral podemos diferenciar vários tipos
de ceticismo:
Um ceticismo niilista, extremo, afirma que é impossível alcançar qualquer
conhecimento de maneira veraz. Levado ao extremo, tudo é válido porque nada é
certo. É a dúvida absoluta e o passivismo completo. Este tipo de céticos
admitiriam o mesmo corra que pare, pelo que é óbvio que não nos referimos a
eles.
Um ceticismo menos extremo, como o do próprio Hume, no qual se formula a
impossibilidade da certeza, mas que estabelece mecanismos de acordo para aceitar
as coisas. Uma espécie de consenso para funcionar num mundo onde não existe uma
confiabilidade completa.
Um ceticismo científico, nascido já neste século, impulsionado no início por
filósofos pragmáticos, segundo o qual uma das bases do método científico é uma
dúvida cética, que se supera quando se fornecem provas suficientes que
justifiquem a tomada de decisão. Frente ao primeiro tipo de ceticismo, este
permite chegar a conclusões e evitar a abstenção de juízo. Frente ao segundo,
este ceticismo não chega a um consenso por maioria, mas sim por acumulação de
provas, que se devem realizar conforme os postulados do próprio método
científico.
Tenhamos em conta que definitivamente, no próprio processo da investigação
científica, este tipo de ceticismo é básico. Um dos princípios do método é a
conhecida navalha de Occam, que advoga por uma simplicidade nas causas, por não
andar buscando mais além do que o que temos na mão, se não for estritamente
necessário. Este princípio é um dos fundamentais do ceticismo também, como o é a
afirmação antes mencionada de Hume sobre as afirmações e o peso da prova.
O ceticismo moderno difere, entretanto, da corrente principal da ciência, quando
opina que é interessante analisar científica e racionalmente as afirmações que
se fazem sobre o paranormal. Esta vocação de não deixar de examinar nada rompe
com o atual costume da especialização, mas ao mesmo tempo entronca diretamente
com o trabalho daqueles que se dedicam à comunicação social da ciência. Isso é
assim porque se reconhece o poderoso atrativo do oculto para a gente da rua, e o
perigo da sua aceitação acrítica. E toma posição a respeito, estabelecendo como
necessidade ou conveniência que a ciência dê a conhecer o que realmente sabe
sobre esses temas, e que não fique calada ante as afirmações irracionais.
Não é uma postura negativista, como se costuma afirmar dos céticos, mas uma
tarefa elementar do cidadão, que reconhece que em nossa sociedade o rótulo de
"cientista" tem um valor muito importante, e portanto não é conveniente que
qualquer um possa usá-lo sem mais aquela. Os céticos não são "contra" os ovnis,
os astrólogos ou os homeopatas. Simplesmente, advertem publicamente que as
afirmações deste tipo estão mal fundamentadas, não têm comprovações adequadas e
que além disso há suspeitas suficientes de que estejam funcionando mecanismos
"normais" que podem explicá-los (a navalha de Occam antes mencionada).
Além disso, o ceticismo aposta na divulgação e comunicação social da ciência,
porquanto sabe que conforme a sociedade compreenda melhor o papel (o valor e o
método) da ciência, e desenvolva uma capacidade de crítica ante as afirmações de
todo o tipo, as irracionalidades terão mais dificuldades para expandir-se.
De umas décadas para cá, pessoas interessadas em divulgar estas posturas
(cientistas, filósofos, comunicadores ou jornalistas, e mais gente) foram-se
estabelecendo como pequenos grupos céticos, tentando facilitar a informação
científica sobre estes temas, e tentando promover um pensamento crítico na
sociedade {2}. É um trabalho árduo, que não poderia ser levado a cabo sem a
colaboração dos interlocutores mais dispostos, precisamente os que estão
estabelecendo os vínculos entre a ciência e a sociedade: cientistas e
educadores, comunicadores, divulgadores e jornalistas...
Como comentávamos anteriormente ao analisar a situação dos meios de comunicação
com respeito às pseudociências, é claro que os jornalistas científicos não
"caem" tão facilmente nas afirmações destas falsas ciências, porque normalmente
dispõem de um critério científico para discernir entre afirmações fundadas e
saltos no ar. Embora nem sempre: o jornalista científico (de fato, qualquer
jornalista) possui as ferramentas básicas para exercer uma crítica ante qualquer
tipo de informação que recebe. Talvez deveríamos intervir para que estes
critérios da profissão de comunicador sejam levados às suas verdadeiras
consequências, inclusive com temas que parecem menores como os horóscopos ou os
discos voadores.
Como final deste artigo, quero mencionar que nos últimos anos em nosso país (mas
não só aqui), esta reivindicação por parte dos setores implicados na comunicação
social da ciência está ocorrendo cada vez com mais força. Algo que é
interessante. Por exemplo, a Asociación Española de Periodismo Científico, com o
impulso de seu fundador Manuel Calvo Hernando, está incluindo o tema das
pseudociências entre suas principais atuações.
Notas:
1: Normalmente em parapsicologia se discriminam diferentes faculdades: percepção
extrasensorial, que inclui a telepatia (leitura de outra mente), a clarividência
("ver" à distancia, isto é, sem usar os sentidos) ou a precognição (antecipação
de acontecimentos futuros); e psicocinese, ou faculdade de executar ações
físicas sem fazer nada "físico", apenas "mental". O fato de que se achem tão
caracterizadas não impede duvidar da sua existência, especialmente à falta de
experimentação suficiente e suficientemente repetida por investigadores
independentes.
2: Na Espanha existe a ARP-Sociedad para el Avance del Pensamiento Crítico, Apdo
310, 08860 Castelldefels, que edita a revista El Escéptico. E-mail:
arp_sapc@yahoo.com.
Referências:
[1] Ramonet, Ignacio. "Un mundo sin rumbo: crisis de fin de siglo".
Concretamente o capítulo intitulado "Ascenso de lo irracional", reproduzido na
revista El Escéptico, nº2 Outono 1998, pp 43-50
[2] Sokal, Alan; Bricmont, Jean: "Impostures Intellectueles", 1997, Ed. Odile
Jacob; versão norteamericana intitulada "Fashionable Nonsense: postmodern
intellectuals", 1998, Ed. Picador
[3] Grey, William, "Ciencia y Psi-encia: la ciencia y lo paranormal (I)", La
Alternativa Racional, primavera 1994, nº32, pp. 23-27; "La búsqueda de la verdad:
la filosofía y lo paranormal (II)", LAR, verão 1994, nº33, pp. 11-17; "El
proceso de explicación (III)", LAR, especial X Aniversario, nº34-35, pp. 41-46;
y "Escepticismo y conocimiento (y IV)", LAR, primavera 1995, nº36, pp. 25-31.
[4] Kurtz, Paul, "Is parapsychology a science?", 1978/1981, The Skeptical
Inquirer, Vol 3. nº.2, pp. 14-23; reimpresso em Paranormal Borderlands of
Science, ed. Kendrik Frazier, Prometheus Books, pp-5-23.
[5] Angulo, Luis, "Evidencias sobre videntes", LAR, nº 11.
[6] MacDougall, Curtis, "Superstition and the Press", 1983, Prometheus Books
[7] Menéndez, Oscar. Comunicação realizada no curso "La América Irracional",
organizado pelo Instituto de América em Santa Fé (Granada), 13-14 nov 1998.
(publicação pendente)
[8] Almodovar, Miguel Ángel. Comunicação sobre meios de comunicação no II
Congreso Nacional sobre Pseudociencias. Alternativa Racional a las
Pseudociencias, novembro 1994.
* Javier Armentia, Director del
Planetario de Pamplona e
membro da ARP-Sociedad para el Avance del Pensamiento Crítico
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