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Canalização: contatos com o Além?
por James E. Alcock
O termo
“canalização” é usado para descrever o que supostamente ocorre
quando um indivíduo é utilizado como um conduto, ou canal, por
alguma entidade de um outro mundo para o propósito de comunicar-se
com pessoas deste mundo. Embora o termo seja novo, o suposto
fenômeno é realmente muito antigo, já que é simplesmente automatismo
– comportamento automático sobre o qual um indivíduo nega exercer
qualquer controle pessoal – vestido em novas roupagens. Um exemplo
muito bem estudado é o da escrita automática, na qual um indivíduo
supostamente permite a uma entidade (espírito) usar seu corpo para
escrever mensagens. Atualmente, reconhece-se que o automatismo é uma
forma de dissociação, um estado alterado da consciência, no qual um
indivíduo é capaz de falar ou atuar sem consciência de fazê-lo
deliberadamente.
As raízes do
moderno conceito de canalização remontam a eras muito remotas. Desde
o início da história existem relatos de xamãs e profetas que ouviram
ou alegaram ouvir vozes do mundo espiritual. Alguns canalizadores
modernos afirmam mesmo que o oráculo de Delfos, Moisés e mesmo
Jesus Cristo eram canalizadores servindo de porta-vozes de várias
divindades. Contudo, um ponto mais preciso do início do fenômeno
atual da canalização, está ligado à vida de Emanuel Swedenborg
(1688-1772). Swedenborg, filho de um bispo sueco não-ortodoxo, foi
talvez o primeiro médium de transe mundial já que ele foi o primeiro
a alegar conversar com almas dos mortos, e não somente com
espíritos.
Ele tinha sido um
cientista realizado e prolífico, mas aos 55 anos mudou
profundamente, dedicando-se ao estudo do espiritual e oculto. Ele
demitiu-se do seu posto universitário e começou a levar uma vida
ascética, freqüentemente deitado em transe por dias seguidos. Nesse
estado ele mantinha conversações com espíritos dos mortos, embora
também o fizesse quando plenamente consciente. Ele também
praticava escrita automática. Vários espíritos, incluindo os de
Moisés, Abraão e Jesus Cristo aparentemente falaram com ele e
escreveram através dele, guiando sua mão para redigir suas
comunicações. Swedenborg escreveu um grande número de livros sobre
temas metafísicos e é atualmente considerado em círculos ocultos ser
não só um dos precursores do movimento Espírita, mas também um
dos maiores místicos de todos os tempos.
Uma outra
precursora da moderna canalização foi Anna Lee (1736-1784). Apenas
dois anos após a morte de Swedenborg, esta jovem inglesa emigrou
para os Estados Unidos da América junto com um pequeno número de
membros de uma seita religiosa à qual pertencia, os Quakers. Ela
ficou muito conhecida pela sua habilidade em se comunicar com os
mortos, e de fato parece que ela e seu grupo ao espalharem a crença
na comunicação com as almas dos mortos podem ter plantado as sementes
para o nascimento do Espiritismo moderno.
Esse nascimento
ocorreu na casa do Sr. e Sra. John D. Fox em Hydesville, New York,
em 1848. Em 31 de março desse ano, a casa dos Fox começou a ser
visitada por pancadas misteriosas que sempre pareciam ocorrer na
presença das duas filhas dos Fox, Kate (1841-1892) e Margaret
(1838-1893). Essas crianças conseguiram “entender” o código que
estava sendo usado nas pancadas, e ao atribuir um número diferente
de batidas a cada letra do alfabeto, as pancadas que eram tidas como
manifestações de espíritos dos mortos, eram decifráveis como
mensagens vindas do além.
As irmãs Fox
tornaram-se celebridades mundiais e iniciaram um interesse em
mediunidade que iria perdurar boa parte do século vinte. Embora elas
tenham confessado mais tarde que elas próprias tinham produzido as
batidas usando os dedos dos pés, tornozelos e joelhos, até hoje há
gente que desacredita essas confissões.
Na mesma época em
que as irmãs Fox estavam produzindo suas pancadas, um outro
americano, Andrew Jackson Davis (1826-1910), estava se estabelecendo
como grande místico e médium. A mãe de Davis tinha muito pouca
educação, mas era considerada ser uma “visionária” enquanto que seu
pai era simplesmente um bêbado. Davis aparentemente não recebeu
nenhuma educação antes dos dezesseis anos de idade, e ainda em 1845,
aos 19 anos, começou a ditar, ao longo de um período de quinze meses
e em estado de transe, sua obra máxima: Os Princípios da Natureza,
Suas Revelações Divinas e Uma Voz Para a Humanidade. Este era um
livro metafísico não muito diferente em muitos aspectos dos livros
ostensivamente ditados nas canalizações modernas. O livro,
supostamente uma profunda e elaborada discussão da filosofia do
universo, tornou-se imensamente popular, atingindo trinta e quatro
edições num período de trinta anos. De fato, o livro foi responsável
pelo início do primeiro grande movimento metafísico nos Estados
Unidos. Davis era também um médium de transe bem sucedido, muito
conhecido pelos seus diagnósticos médicos psíquicos feitos em estado
de transe.
Lá pelos meados do
século dezenove, devido à influência de pessoas como Davis e as
irmãs Fox, havia cerca de três milhões de pessoas nos Estados Unidos
que acreditavam em médiuns e espiritismo, e ao final desse século
contavam-se cerca de dez mil médiuns de transe nos Estados Unidos.
Enquanto isso, na Europa, um dos personagens mais conhecidas na
história do ocultismo, Madame Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891)
estava fazendo sentir sua presença. Ela viajou pelo mundo em busca
de manifestações do sobrenatural. Era dotada de soberbos poderes
de fantasia, ao ponto em que era tida como sendo capaz de causar
alucinações em crianças mediante sua vívida narração de estórias.
Ela alegou experimentar vários fenômenos psíquicos e tornou-se uma
eminente médium de transe na Rússia, sua terra natal. Foi
absorvida no movimento Espírita e em 1875, depois de naturalizar-se
cidadã dos Estados Unidos, fundou a Sociedade Teosófica que se
dedicou ao estudo e ensinamento de antigas religiões e filosofias.
Ela alegou ter
acesso astral direto a dois Grandes Mestres tibetanos, e em 1888, a
serviço desses mestres, ela “canalizou” (embora esse termo não fosse
conhecido em sua época) um livro intitulado A Doutrina Secreta, que
foi um tour de force nos círculos ocultistas.
Subseqüentemente ela escreveu, ou canalizou, muitos outros livros.
Um outro indivíduo
que contribuiu para o clima oculto que levou ao desenvolvimento da
canalização moderna foi Edgar Cayce (1877-1945), bem conhecido pelo
seu poder de diagnosticar pessoas à distância. Alguns canalizadores
modernos interpretam suas habilidades em termos de canalização, e
atualmente se alega que ele “canalizou cura e profecia para seis mil
pessoas num período de quarenta e três anos”. Contudo, em
definição estrita, Cayce não era nem um médium nem um canalizador.
Nunca nenhum guia alegou estar usando seu corpo, e quando ele se
comunicava com os mortos, alegava-se que a informação emanava do seu
próprio subconsciente.
A canalização
moderna começou em 1972 com o livro Seth Speaks publicado por
uma das grandes editoras, a Prentice-Hall. O livro foi preparado por
Jane Roberts e seu marido, Robert Butts, e supostamente apresenta
comunicações de Seth, uma entidade invisível que tem grande dose de
sabedoria e comunicação, e que aparentemente transcende o tempo tal
como o conhecemos. Seth foi a primeira “entidade invisível” que
chegou a ser aceita como real por grande número de pessoas.
Jane Roberts teve
uma infância difícil. Seus pais se divorciaram quando ela tinha três
anos e sua mãe dependia da assistência social do governo para se
manter. Quando Jane tinha apenas dez anos, a doença de sua mãe
forçou-a a entrar para um orfanato onde ensinamentos religiosos eram
enfatizados. Foi em 1954 após seu segundo casamento com Robert Butts
que ela começou a se focalizar em mensagens psíquicas. Uma série de
livros metafísicos foram publicados, cada um deles supostamente
ditado por Seth ao marido de Jane, usando a voz de Jane enquanto ela
estava em transe. O material de Seth foi ditado ao longo de centenas
de sessões mas quase sempre sem testemunhas. Seth aparentemente
falava em ritmo suficientemente lento para que o marido de Jane
pudesse anotar suas palavras usando uma taquigrafia pessoal. Ele
nunca usou gravador de fita dizendo que achava mais pessoal escrever
os comentários de Seth. Jane estava de fato consciente durante as
sessões de Seth. Na verdade, ela relatou que era freqüentemente
difícil para ela saber onde as idéias dela paravam e as de Seth
começavam.
As pessoas
freqüentemente se surpreendem pelo que parece ser uma impressionante
efusão de pensamento metafísico que parece ir além da habilidade do
escritor, e tendem a tomar isto como uma indicação de que deve ser
verdadeira a alegação de que um ser sobrenatural foi envolvido. Esta
foi a reação que muitas pessoas tiveram ao material de Seth. Mesmo
hoje, algumas pessoas que vêem os trabalhos de outros canalizadores
como pura bobagem estão intrigadas pelo material de Seth. Eles vêem
esses livros como apresentando sabedoria, filosofia e interpretação
histórica que vão além do que eles consideram que Roberts fosse
capaz de produzir espontaneamente por si mesma. Contudo, isto é
certamente uma depreciação de suas capacidades, já que Jane Roberts
era por mérito próprio uma autora e poeta, e como tal ela certamente
deve ter trabalhado para desenvolver suas habilidades literárias e
criativas. De fato, muito antes de Seth, Jane estava produzindo
poesia que nas palavras de seu marido “refletia claramente seu
entendimento intuitivo de alguns dos conceitos sobre o quais Seth
veio elaborar muito mais tarde”.
Quanto à filosofia
religiosa, Roberts e seu marido admitiram francamente ter estudado
Budismo, Zen, Taoísmo, Xamanismo, Vuduísmo e similares, e admitiram
também haver alguma semelhança entre os pronunciamentos de Seth e o
conteúdo de alguns desses sistemas de crenças. Contudo, eles também
apontam diferenças importantes. Considere a seguinte passagem:
“Mas não gostamos
da idéia de nirvana no Budismo e Hinduísmo, que requer a extinção
ou aniquilação da consciência individual, e sua absorção num
espírito superior, geralmente após uma série de vidas. E nós
objetamos a noção de que a "natureza", nesses termos de tempo
linear, arranjou as coisas de tal modo que o indivíduo tem que
pagar um débito cármico numa vida como resultado de ações numa
anterior... As realidades de nirvana e carma não são as que Jane e
eu queremos criar.
Preferimos em vez disso os conceitos de Seth – assim como
nossos próprios – da natureza inviolável da consciência individual
antes, durante e após a existência física....” (Roberts 1977,12-13)
Roberts era uma
leitora ávida. Uma das sessões de Seth focaliza a natureza do
masculino e feminino dentro do self e recorre pesadamente às idéias
Junguianas de animus e anima. Seu marido notou que:
“No começo deste mês Jane e eu compramos uma antologia contendo uma
longa seção escrita por Carl Jung. ...Jane não tinha terminado de
ler essa parte do livro quando Seth sugeriu... que ela abandonasse o
livro. ... Este não foi o primeiro contato de Jane com escritos de
Jung de modo algum. ...É interessante notar, contudo, o modo como
Seth “imita” material como o de Jung, desenvolvendo-o para incluir
suas próprias idéias e interpretações” (Roberts 1972, 208).
À luz desta informação – uma autora que estava consciente durante as
sessões, sem testemunhas ou fitas gravadas, notas feitas numa
taquigrafia pessoal, conteúdo em muitos aspectos similar ao da
literatura que já era familiar a Roberts, sua própria admissão de
que não podia estar sempre segura onde Seth começou e Jane concluiu
– os materiais que ela preparou devem seguramente ser vistos como
menos do que extraordinários. Certamente havia mesmo o tempo e o
talento para a fraude exercer o seu papel, mas não há base
evidencial para isso, e pode muito bem ser o caso de automatismo, de
produção inconsciente. De fato, em determinado momento, a própria
Roberts considerou que todo o material Seth pode ter emergido de seu
próprio inconsciente. De qualquer modo, dadas essas circunstâncias,
parece haver pequena necessidade de considerar o envolvimento de
alguma agência sobrenatural.
Existe um número de
boas razões para ser extremamente cético acerca da canalização:
1. A canalização
parece oferecer nada mais do que os velhos médiuns diziam ser
capazes de fazer, e quase ninguém mais dá qualquer crédito a
alegações de médiuns. Mesmo os parapsicólogos, que se dedicam a
provar a existência de fenômenos paranormais, têm pouco interesse em
canalização. É raro encontrar alguma discussão do assunto na
literatura parapsicológica. Numa dessas raras ocasiões, contudo,
Anderson (Parapsychology Review 19, 1988) sugere que os
parapsicólogos têm dito muito pouco acerca da canalização porque não
podem pensar em nada que já não tenha sido dito milhares de vezes antes.
Ele acrescenta: “Ficou progressivamente evidente para os
pesquisadores que o automatismo qualquer que seja seu tipo não é uma
habilidade psíquica nem um caminho para conhecimento superior. A
pesar das aparências, fica muito claro na maioria dos casos que
todos os elementos que compõem o ato de automatismo se devem somente
ao automatista e suas experiências de vida.”
2. A
possibilidade de fraude. É bem entendido pelos parapsicólogos que
com freqüência é extremamente difícil distinguir entre distúrbios
dissociativos e fingimento. O significado disso é que no curso
normal dos eventos, é muito difícil saber se alguém que alega ser
amnésico ou ter mais de uma personalidade está inventando ou se os
sintomas são produzidos inconscientemente. O mesmo é claro se aplica
aos canalizadores. Alguns deles podem estar em estado dissociativo
quando a aparente canalização ocorre, e isto então leva ao
comportamento associado com automatismo. Ou eles podem simplesmente
estar fingindo tudo.
3. Falta de qualquer evidência confirmatória. A fraude seria simples
de praticar, já que a maior parte da informação canalizada é de
natureza quase-filosófica, portanto não aberta à verificação. As
entidades que geralmente se comunicam alegam ser seres exaltados que
deixaram esta encarnação há muito tempo atrás ou que nunca se
encarnaram, para começar.
4. Os comentários das entidades, enquanto que carregam um verniz de
sabedoria filosófica, são geralmente banais. De fato, os comentários
produzidos pelos diversos canalizadores caem em duas categorias
básicas, ou (1) extremamente batidos e bobos, ou (2) organizados em
torno de temas bem estabelecidos encontrados na literatura religiosa
ou oculta.
Nos Estados Unidos da América, no final da década de 1980 e início
da de 1990, grande número de pessoas de todas as idades, formações e
profissões se voltaram para a canalização. A canalização oferece
sabedoria sem trabalho, filosofia sem contemplação, salvação sem
sacrifício. Não há nenhum requisito, seja ele de dedicação ou
conformidade do tipo que os cultos ou seitas religiosas exigem. Não há
proscrição de atividades hedonísticas como as comandadas pelas grandes
religiões. Não há tentações a serem evitadas, nem pecados a evitar.
Os canalizadores provêem uma mensagem hedonística e narcisística que
é pré-digerida e portanto não requer nenhuma luta com enigmas
filosóficos, nenhuma busca pela verdade a vida inteira. Isto está
muito de acordo com os tempos em que vivemos. Requer somente que
desliguemos as nossas mentes.
Existe um claro perigo em pedir conselho aos canais. Isso desvia
pessoas de tentar atacar suas dificuldades de maneira racional e
realística. Se uma pessoa tem problemas reais e angústia real, o
pastiche de psicologia pop e metafísica oferecido pelos
canalizadores pode se revelar tão deletério em seus efeitos quanto
os falsos tratamentos oferecidos pelos médicos charlatães. Para
outros com problemas menos sérios e que não procuram direção do
canalizador, esta religião alternativa é talvez não mais perigosa
que as panacéias alternativas para as dores físicas e penas da vida
diária.
Bibliografia citada:
Anderson, R. "Channeling." Parapsychology Review 19, no. 5 (1988):6-9.
Roberts, Jane. Seth Speaks. New York:Bantam, 1972.
Roberts, Jane. The Unknown Reality. Vol. 1 New York:Bantam, 1977.
Resumo traduzido
do ensaio "Channeling" publicado em "The Encyclopedia of the
Paranormal", (páginas 153 a 159) editada por
Prometheus Books
Copyright
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