O que é Paranormal
e Pseudociência?
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Paranormal e Pseudociência em exame
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ISTOÉ
Aquém do pensamento
crítico
José Colucci Jr. (*)
"Devemos ter a mente aberta,
mas não tanto que o cérebro caia fora." James
Oberg
A propagação de sandices à guisa de ciência
não é exclusividade da mídia brasileira. Tanto a
imprensa européia quanto a norte-americana publicam
artigos onde santas que choram, seqüestro de seres
humanos por extraterrestres, comunicação com os
mortos, telepatia, clarividência, curas espirituais,
toque terapêutico, energia dos cristais e outros
assuntos do gênero são apresentadas sob um viés
que se pretende científico. Não deixa de ser
interessante o fato de as primeiras pessoas a
criticar o preconceito intelectual do estabelecimento
científico serem também as primeiras a tentar tomar
emprestado daquele a legitimidade para suas
crendices.
A diferença entre a situação brasileira e a dos
países do primeiro mundo quanto ao alastramento da
pseudociência está nos mecanismos de defesa do
organismo social. Enquanto nos países adiantados da
Europa, nos EUA e no Canadá a população mais bem
educada em assuntos científicos, a melhor
divulgação da ciência pelos órgãos de imprensa e
especialmente no caso dos EUA e do Canadá
a ação combativa da comunidade acadêmica
contribuem para conter a onda de irracionalidade, no
Brasil ela avança sem resistência. Um exemplo
recente é a matéria de capa intitulada
"Muito além do jardim" da revista IstoÉ
(21/05/00). Alguém que escreva numa seção chamada
"Ciência e Tecnologia" tem a obrigação
de familiarizar-se minimamente com os conceitos
básicos do método científico, coisa que,
aparentemente, o jornalista da IstoÉ não se
incomodou em fazer.
Ciência não é um corpo de conhecimentos
imutáveis; ciência não é uma coleção de dogmas;
ciência não é uma construção artificial da
realidade, como querem os construtivistas; ciência
é uma maneira de pensar. E, ao contrário do que diz
a reportagem, a ciência não impõe limites à sua
atuação dentro do universo natural e já se
aventurou, sim, para além da fronteira da vida. Só
que lá nada encontrou que pudesse resistir ao
pensamento crítico ingrediente que, aliás,
faz falta à matéria de IstoÉ. Toda a febre
de investigação parapsicológica dos anos 70
resultou em nada; nunca se conseguiu apresentar
qualquer evidência de fenômeno paranormal que não
pudesse ser explicado por causas naturais,
incluindo-se aqui a comunicação com os mortos. Os
poucos resultados positivos acabaram sendo
desconsiderados pela falta de controle dos
procedimentos, falta de análise estatísticas dos
dados, fraude, incompetência dos experimentadores ou
por falta de comprovação independente.
Com uma folha corrida como essa, é natural que a
investigação da paranormalidade passasse a ser
vista com suspeita por parte do estabelecimento
científico, não obstante a titulação acadêmica e
o peso institucional de alguns de seus praticantes.
Assim, a recusa por parte dos cientistas em
considerar fenômenos paranormais como objetos dignos
de investigação vem, em grande parte, do fato de
esses mesmos fenômenos já terem sido exaustivamente
investigados. Não se vêem mais artigos sobre
paranormalidade em jornais científicos de
prestígio. A máxima adotada pelas sociedades de
céticos americanos diz: "Afirmações
extraordinárias requerem provas
extraordinárias". Se eu disser a alguém que
acabo de presenciar a colisão entre dois automóveis
na esquina, é bem possível que meu interlocutor
acredite no que digo sem exigir qualquer prova. Se,
no entanto, eu disser que presenciei a colisão entre
uma nave espacial do planeta Zolos e um helicóptero
da PM, preciso apresentar provas irrefutáveis como,
por exemplo, um pedaço de material só encontrável
em Zolos, já que mesmo fotografias ou vídeos podem
ser falsificados. Da mesma forma, se digo que
consegui me comunicar com os mortos por meios
eletrônicos, preciso apresentar provas mais
convincentes do que a gravação rouca de vozes
distantes.
Forças gravitacionais
O interesse pelo registro de vozes de pessoas
falecidas, chamado em inglês de EVP, ou electronic
voice phenomenon, e cujo sucessor moderno é a
transcomunicação instrumental, descrita na
reportagem de IstoÉ, é tão antigo quanto os
meios artificiais de gravação da voz humana. O
próprio Thomas Edison, que acreditava em
reencarnação, trabalhou numa invenção que
permitiria a comunicação com os mundo dos
espíritos. Infelizmente, ela não funcionou tão bem
quanto a luz elétrica e o fonógrafo, duas outras
invenções suas. Desde então, e falamos aqui do fim
do século 19, os habitantes da outra dimensão
parecem ter acompanhado o progresso da técnica,
preferindo, em sucessão, o rádio, o telefone, o
gravador de fita, a TV, aparelhos de fax e, mais
recentemente, os computadores e telefones celulares.
Aliás, essa é outra característica da
pseudociência: pegar carona na evolução da
tecnologia e da ciência e, dessa forma, ganhar
prestígio por associação. Cada nova descoberta
científica ou conquista técnica é tomada de
empréstimo para legitimar teorias que não se
sustentariam pelas próprias pernas.
Quando a eletricidade foi descoberta, seus
princípios foram usados para explicar um sem-número
de fenômenos paranormais e justificar um número
ainda maior de terapias estapafúrdias. No rol dos
princípios físicos mal assimilados e empregados
através dos tempos para explicar toda a sorte de
crendices da telepatia à ação mágica dos
cristais contam-se as ondas hertzianas, a
radioatividade, a teoria da relatividade e a física
quântica. A pseudociência avança à medida em que
a ciência é mal compreendida. O leitor com alguma
educação científica e tempo para perder, poderá,
como exercício, consultar as "evidências
irrefutáveis" (sic) incluindo as
falácias lógicas, os raciocínios desconexos, a
falta de controle experimental e as citações fora
de contexto para existência de vida após a
morte no website de Victor
Zammit, autoridade em transcomunicação.
O desejo de falar com os mortos é humano,
demasiado humano. Existirá, dentre os mais céticos
de nós, quem jamais tenha desejado reencontrar
alguém querido que partiu? Ou rever mãe, pai,
filho, esposo, namorada e pronunciar aquela palavra
não dita, ouvir um conselho, pedir perdão,
dizer-lhes que os amamos? Como bem notou Carl Sagan,
há algo na psique humana que se recusa a acreditar
que somos mortais e que, é compreensível, não se
deixa abater pela falta de provas na vida após a
morte. Uma viúva que julgue conversar com o marido
falecido não está interessada no desmentido
racional de sua crença; quem o fizer corre o risco
de ser censurado por roubar-lhe o consolo espiritual
e a esperança de uma vida mais justa em outro mundo.
Por essa razão, não devemos ridicularizar as
pessoas que acreditam em vida após a morte, mesmo
porque, intelectualmente, estão em boa companhia.
Grandes pensadores do passado cometeram o mesmo
engano. Felizmente para o avanço da ciência,
existem entre nós os que preferem a realidade a uma
ilusão, por mais confortadora que seja. O mais
provável é que as pessoas que ouviram vozes do
além tenham experimentado o que é conhecido por apofenia,
termo cunhado por K. Conrad, em 1958, que quer dizer
propensão para enxergar conexões e significações
onde elas não existem. Cabe aqui uma outra
digressão sobre o método científico. O princípio
filosófico-científico conhecido como Lei da
Parcimônia ou Navalha de Ockham, devido ao seu
enunciador, William de Ockham, afirma que "não
se deve multiplicar entidades
desnecessariamente". Sua interpretação mais
comum diz que entre duas explicações para o mesmo
fenômeno devemos preferir a mais econômica, a que
necessite de menos elementos. É graças à Navalha
de Ockham que preferimos a explicação de que a
Terra gira em torno do Sol por ação de forças
gravitacionais à explicação de que repousa sobre
os ombros do gigante Atlas como castigo imposto por
Zeus. Enquanto a primeira explicação exige apenas o
Sol e a Terra para acomodar todos os fatos
conhecidos, a segunda levanta questões que exigem
elementos adicionais. Ao incluir o gigante Atlas,
levanta outras questões: onde é que pisa Atlas?; se
Atlas segura a Terra, quem é que segura o Sol? e
assim por diante.
Simulacro de ciência
É importante notar que a explicação mais
econômica não é necessariamente a mais óbvia ou a
de mais fácil entendimento. A órbita dos planetas
por ação de forças gravitacionais pode ser menos
intuitiva do que é a do gigante a segurar a Terra
sobre os ombros; a teoria da relatividade de Einstein
é mais complexa do que a mecânica de Newton, porém
esta não explica todos os fenômenos observáveis.
Confrontado com um fenômeno como o da
transcomunicação, o investigador honesto tem a
obrigação de procurar a explicação mais
econômica. Não estariam os proponentes dessa forma
pouco usual de comunicação ouvindo apenas
interferência, linhas cruzadas, ruídos bastante
comuns aos meios eletrônicos, ou mesmo, se formos
mais cínicos, alguém convenientemente situado na
esquina tendo às mãos um telefone celular?
No passado, pessoas que acreditavam genuinamente
na existência de espíritos não hesitaram em
falsificar suas manifestações, achando que serviam
a uma causa maior. Não seriam os relatos pungentes
e, acredito, sinceros de testemunhas da
transcomunicação apenas uma manifestação de
apofenia, do desejo da mente humana, especialmente
sob forte estímulo emocional, de encontrar sentido
em um mundo aparentemente destituído deste? Essas
explicações têm de ser descartadas através de
experimentos controlados e repetíveis, por
pesquisadores imparciais, antes que a
transcomunicação possa ser considerada seriamente.
Não é demais lembrar que o ônus da prova recai
sobre os proponentes; são eles que precisam provar
além de qualquer dúvida a existência do fenômeno
e não os cientistas que precisam provar a sua
inexistência, já que é impossível provar que algo
não existe.
A ciência nunca é preconceituosa ou arrogante,
cientistas o podem ser, pois são humanos. Mas, ao
contrário da pseudociência, da religião, das
humanidades, das artes e não há aqui nenhum
julgamento de mérito , a ciência dispõe de
mecanismos de autocorreção. Esses mecanismos, disse
Richard Feynman, detentor de um Prêmio Nobel em
física, correspondem à forma mais extremada de
honestidade. O cientista, ao fazer um experimento,
tem a obrigação de apresentar, além da
interpretação que imagina ser correta para o
fenômeno que estiver investigando, causas
alternativas que também possam explicar os
resultados. A superação de teorias científicas
incorretas vem, quase que invariavelmente, da
própria ciência. Essa humildade da ciência está
refletida nas palavras de Albert Einstein: "Toda
a nossa ciência, medida contra a realidade, é
primitiva e infantil ainda assim, é a coisa
mais preciosa que temos".
Os pesquisadores citados na reportagem de IstoÉ
reclamam que a pesquisa em transcomunicação esbarra
na falta de recursos financeiros. Eis aqui uma
idéia: inscrevam-se para o Desafio da Fundação Educacional
James Randi.O prêmio de 1 milhão de
dólares, conseguido de investidores institucionais
está esperando por quem conseguir demonstrar,
em condições controladas, a existência de qualquer
fenômeno paranormal. Qualquer um. Há um problema,
porém. Randi, além de cientista é mágico
profissional; sua especialidade é desmascarar os
truques usados por médiuns, curandeiros, dobradores
de talher e paranormais em geral.
Enfim, que os pesquisadores da transcomunicação
tentem convencer a comunidade científica da validade
de seus experimentos é compreensível. Que suas
tentativas sejam canhestras um simulacro de
ciência é natural, dado o seu amadorismo e a
dificuldade da tarefa. O que não se pode entender é
um grande órgão de imprensa dar a essa
pseudociência o espaço que deu IstoÉ, de
maneira tão parcial e acrítica.
(*) Engenheiro mecânico pela
Unicamp, mestre e doutor
em bioengenharia,
ex-professor da USP, vive no Canadá.
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