Alucinação: chave de muitos mistérios
por Jorge
A. B. Soares
Muitos fenômenos
misteriosos podem ser perfeitamente explicados através da
alucinação. A alucinação é definida como a aparente percepção de
alguma coisa que não está materialmente presente, ou no jargão técnico
da Associação Psiquiátrica Americana, alucinação é "uma percepção
sensorial sem o estímulo externo do órgão sensorial correspondente".
Tudo o que pode ser percebido pelos 5 sentidos pode também ser
alucinado, mas as alucinações auditivas e visuais são as mais
freqüentes. As alucinações patológicas são provocadas por lesões
e infecções cerebrais, distúrbios psicóticos da esquizofrenia,
epilepsia e psiconeuroses. Porém - e esta é a razão deste artigo -
alucinações transitórias acontecem a pessoas normais, sadias, que
não sofrem de nenhum distúrbio mental e são muito mais freqüentes do
que costumamos pensar.
Um estudo realizado em 1957 pelo famoso psicólogo inglês Peter McKellar
revelou que 25% dos entrevistados tinham tido pelo menos uma experiência
alucinatória. Em 1988 o norteamericano Ronald K. Siegel publicou dados
ainda mais impressionantes: 79% dos participantes relataram ter sofrido
alucinações, e um terço delas eram tão vívidas que tomararam-nas como
eventos reais.
Na nossa mente, a área de consciência recebe continuadamente fluxos
de sinais externos (provenientes dos 5 sentidos) e internos (provenientes
da memória e outros circuitos neurais). A tarefa principal da consciência
é construir a todo o tempo um modelo do mundo que faça sentido. As
alucinações acontecem quando um elemento interno dispara um padrão de
atividade equivalente ao que é normalmente gerado quando órgãos dos
sentidos respondem a um evento publicamente observável. Na verdade existe
uma certa competição entre esses fluxos de sinais internos e externos,
e quando por alguma razão o fluxo de sinais externos enfraquece ou se
deteriora o fluxo interno se sobrepõe ao externo. Isso explica porque
as alucinações são disparadas por privação sensorial, sobrecarga sensorial
(especialmente estímulos intensos repetitivos), insônia prolongada,
jejum prolongado, desidratação, fadiga, febre alta, delírio, privação
de oxigênio, hiperventilação, isolamento social, estados hipnagógicos
e hipnopômpicos, ingestão de drogas psicodélicas, hipnose, etc.
Cerca de 4% das pessoas em uma população normal possuem uma imaginação
muito intensa e mais dificuldade em julgar as diferenças entre eventos
reais e imaginários. Elas fantasiam vividamente durante uma grande parte de suas
vidas acordadas. Ainda que alucinem a maior parte do tempo, isso é suficientemente
controlável e não interfere com sua segurança, emprego ou vida familiar.
Wilson e Barker denominaram essas pessoas de "PPF - Personalidades Propensas à Fantasia"
(Fantasy-Prone-Personalities). Elas podem alucinar de olhos abertos ou cerrados
e podem evocar cenas completas ou adicionar artefatos a cenas reais.
Alguns exemplos típicos de PPF: grandes visionários do passado compelidos por
vozes ou visões alucinatórias, tais como Sócrates, Joana D'Arc, Santa Terezinha e
Swedenborg; os que relatam múltiplas abduções em naves alienígenas;
e os "médiuns visuais" que vêem espíritos em profusão, por todo o lado.
As alucinações sempre aproveitam material já arquivado anteriormente
na memória do indivíduo e que é interpretado de acordo com o seu
sistema de crenças e valores. Isso explica como a visão noturna de
lampejos de luz provoca visões de veículos espaciais completos;
uma cortina balançando ao vento na janela de um quarto escuro é vista como
um fantasma ameaçador; ou a Xuxa deitada na cama em seu sítio vê um duende
que lhe puxa o lençol. Isso aconteceu porque discos voadores, fantasmas e
duendes já eram parte importante do universo cultural particular dessas pessoas.
Investigações aprofundadas de relatos de encontros com
extraterrestres levaram à conclusão de que a grande maioria desses
casos resulta da alucinação em estado hipnagógico ou hipnopômpico
(pouco antes de cair no sono ou logo antes do despertar). Esses
estados de transição da vigília para o sono, e vice-versa, também são
responsáveis pelas alucinações comuns na infância, conhecidas como
"terrores noturnos". Às vezes, imagens vistas durante um
pesadelo podem persistir depois que a criança
acordou.
Pilotos de avião têm apresentado alucinações visuais, auditivas e
cinestésicas devido à monotonia ou fixação da atenção por longos
períodos. Um piloto pode, por exemplo, sentir que seu avião entrou
em parafuso, está mergulhando ou de cabeça para baixo, mesmo que de
fato o avião esteja perfeitamente nivelado. Uma alucinação
cinestésica desse tipo pode ser tão vívida a ponto de levar o piloto
a fazer uma manobra "corretiva", com resultados potencialmente
trágicos.
O místico experimenta alucinações mediante manipulação dos seus
próprios mecanismos dissociativos através de auto-hipnose e intensa
concentração mental. Essas alucinações podem ser do tipo em que a
pessoa percebe o "eu interior" abandonando o corpo e viajando para
lugares distantes. Ou tomar a forma de visões de conteúdo místico ou
sensações de união com Deus ou o universo.
Na hipnose experimental é bem conhecido o poder das sugestões
hipnóticas e pós-hipnóticas na produção de alucinações. Um indivíduo
hipnotizado pode ser induzido a se desviar de uma cadeira
inexistente ou a dançar ao som de uma música imaginária. Também é
fácil perceber o quanto das experiências típicas de regressão a
vidas passadas se deve à alucinação induzida por sugestão ou
hipnose.
As alucinações coletivas são induzidas pelo poder da sugestão.
Ocorrem geralmente em situações de exaltação emotiva especialmente
entre devotos religiosos. A expectativa e esperança de ser
testemunha de um milagre, combinadas com longas horas de olhar fixo
num objeto ou local, torna certas pessoas suscetíveis a verem coisas
tais como uma imagem que chora ou que se move, ou a aparição da
Virgem Maria.
No entanto, nem todas as alucinações coletivas são religiosas. Em
1897, conforme relato de Edmund Parish, diversos marinheiros viram o
fantasma do cozinheiro do seu navio, falecido alguns dias antes,
andando sobre as águas e mancando da forma que lhe era peculiar.
Esse fantasma acabou sendo depois identificado como um "destroço
remanescente de um naufrágio, subindo e descendo ao sabor das
ondas."
Em resumo - a alucinação, principalmente a não patológica, de tipo
transitório, é parte integrante da nossa cultura e um fenômeno mal
compreendido assaz freqüente em nosso meio. Está na raiz das
religiões e do misticismo e esclarece um sem número de fenômenos
misteriosos, tais como: 1) aparições de fantasmas, monstros,
lobisomens, fadas, duendes, gnomos; 2) visões místicas de anjos,
deuses, santos, demônios; 3) encontros com extraterrestres; 4)
regressão a vidas passadas; 5) viagens fora do corpo; 6)
experiências de quase-morte.
É necessário que a Psiquiatria e as Neurociências aprofundem a investigação do
fenômeno alucinatório e façam chegar às massas esse conhecimento
fundamental tão útil à compreensão e equilíbrio do nosso ser.
***
NOTA: O autor deste artigo experimentou em 1992 uma inusitada
alucinação auditiva quando estava sentado após o almoço, em plena luz do dia,
escutando um noticiário radiofônico. O realismo, vigor e complexidade
dessa experiência motivaram-no a pesquisar o fenômeno alucinatório em
profundidade, e compartilhar suas descobertas com os leitores.
"As guerras religiosas e a caça às bruxas teriam sido bem menos numerosas ao
longo da história houvessem as alucinações sido conhecidas como fenômenos naturais
e houvessem os 'possuídos pelo diabo' sido considerados doentes."
Robert L. Thorndike