João de Deus: curas por entidades?
Joe Nickell
Conhecido
como "João de Deus", um médium de cura brasileiro afirma que os espíritos
assumem o controle de seu corpo para permitir que ele realize cirurgias sem
anestesia e outros procedimentos de cura. O centro espiritual que ele
fundou, localizado na pequena cidade Abadiânia no planalto central remoto do
Brasil, foi apelidado de “Lourdes da América do Sul” (“Controversial” 2006),
enquanto ele mesmo foi chamado de charlatão e pior (“Is” 2005).
Primeiramente alertado por um produtor da CNN para um
serviço de cura de João de Deus em Atlanta, decidi ir disfarçado para ver de
perto o que estava acontecendo. Eu trabalhava com a National Geographic
Television and Film em um segmento do programa ‘Is It Real?’ da série
"Miracle Cures", que incluiu uma análise do fenômeno João de Deus.
João de Deus
João Teixeira de Faria nasceu em 1942 de pais pobres.
Ele cresceu incapaz de ficar na escola ou ter um emprego. Aos dezesseis
anos, ele teria descoberto sua capacidade milagrosa quando, em uma visão,
uma mulher o direcionou para uma igreja próxima. Lá, embora ele sustente que
não se lembra do que aconteceu, tendo caído em transe, ele supostamente
realizou uma cura milagrosa.
E então ele começou uma carreira que impressiona os
crédulos. Afirmando ser um médium (alguém que se comunica com os espíritos
dos mortos), ele insiste que é guiado por mais de trinta entidades - embora,
curiosamente, João fale apenas português, independentemente de qual entidade
o esteja possuindo em um dado momento. O rei Salomão foi a sua primeira
entidade. Seguiram-se outras, incluindo Ignacio de Loyola, o nobre espanhol
que fundou a Ordem Jesuíta em 1540. O centro de João recebeu o nome dele:
‘Casa de Dom Inácio de Loyola’. Oswaldo Cruz, um médico que ajudou a
erradicar a febre amarela, é outra suposta entidade, junto com outros
curadores do passado, numa espécie de panteão espírita (“Controversial”
2006; “Is”, 2005).
O Espiritismo é essencialmente espiritualismo, uma
crença de que podemos nos comunicar com os espíritos, mas com a convicção de
que os espíritos repetidamente reencarnam em uma progressão para a
iluminação. No Brasil, que está mergulhado na superstição e tem um clima de
crença nos espíritos africanos, o espiritismo tornou-se um poderoso
movimento religioso, sobreposto ao catolicismo. Pode envolver buscas
mediúnicas por vidas passadas e até mesmo a chamada “cirurgia espiritual”
(Bragdon 2002, 14-20; Guiley 2000, 360-362).
Supostamente, os cirurgiões
mediúnicos abrem o corpo de forma paranormal - sem instrumentos cirúrgicos
ou anestésicos - e curam doenças manipulando órgãos vitais. Normalmente,
recorrem
a práticas fraudulentas incluindo prestidigitação.
Por exemplo, “tumores” provaram ser pedaços de intestino de galinha, e
sangue vir de uma vaca (Nickell 1998, 159-162).
João de Deus, no entanto, ao jeito “João-em-Entidade”
quando supostamente possuído, tem um estilo diferente. Ele realiza
“cirurgias” dúbias que são “visíveis” ou “invisíveis”. As primeiras podem
envolver enfiar um fórceps na cavidade nasal de uma pessoa ou usar uma faca
para raspar um globo ocular ou abrir um corte num abdômen carnudo - tudo sem
anestesia. De acordo com um livro pró-João, “em mais de trinta e cinco anos
de cirurgia da Entidade, tem sido extremamente raro haver infecções”
(Bragdon 2002, 11).
Com “cirurgia invisível”, a entidade do dia faz uma
oração, após a qual milhares de “entidades curativas” ocupam-se,
supostamente, operando em um órgão, revitalizando um músculo, ou “atendendo
simultaneamente aos problemas das pessoas na sala” (Bragdon 2002, 11).
Ampliando as sessões, vão incentivos para meditar, beber água abençoada
pelas entidades e tomar remédios fitoterápicos prescritos.
Investigação:
Eu
já tinha conseguido um ingresso para o evento ‘John of God’ em Atlanta
quando fui contatado pela National Geographic Television. Em seguida,
trabalhamos juntos em uma investigação que lançou uma nova luz sobre as
alegações do brasileiro.
Astutamente, as entidades de
João evitaram realizar “cirurgias visíveis” em Atlanta, onde ele poderia ter
sido preso. Fui escolhido para um procedimento “invisível” enquanto
manquejava com uma bengala, usando a roupa branca indispensável que, me
disseram, “ajuda a manter uma frequência vibracional mais alta” (“John”
2006a; 2006b). Eu também usava um pequeno disfarce, já que aparições
frequentes na mídia me tornaram mais reconhecível (ver figuras 1 e 2).
Como eu descobriria, João é
um improvável operador de milagres. Um aluno que abandonou a escola,
relatou um admirador, “foi forçado a viver como
andarilho, viajando de cidade em cidade, curando os doentes e vivendo de
suas doações de alimentos” (Pellegrino-Estrich, 1995). Porque, no Brasil, é
ilegal praticar medicina sem licença, ele foi acusado e multado - até
encarcerado brevemente. Uma promotora de justiça que o investigou relatou
que João lhe enviou - indiretamente, por meio de um parente - ameaças de
morte. João de Deus nega isso, e há outra acusação de que ele se aproveitou
de uma mulher que o procurou para se curar.
“Há muito ciúme. As pessoas falam”, ele diz
defensivamente. "O que importa é a consciência para com Deus." Observando
sua riqueza aparente, alguns críticos dizem que suas "curas" são apenas uma
fachada para torná-lo um homem rico ("Is", 2005).
Certamente, seus procedimentos são uma farsa. A
torção de um fórceps no nariz de um peregrino é um circo antigo e um
espetáculo de feira de diversões, explicado em meu livro ‘Secrets of the
Sideshows’ (Nickell 2005, 238-241). Parecendo muito mais tortuoso do que é,
o feito depende do fato de que, desconhecido por muitas pessoas, há uma
cavidade sinusal que se estende horizontalmente das narinas até o teto da
boca até uma distância surpreendente - o suficiente para acomodar um prego,
picador de gelo ou outro implemento usado no ato circense "Cabeça de Ferro"
(Human Blockhead).
Por minha instigação, a
National Geographic filmou uma performance de tal ato no showbar “Palace of
Wonders”
em Washington, D.C., operado pelo
empresário de diversões (e amigo) James
Taylor. O nosso cabeça de ferro era “Swami Yomahmi”, ou Stephon Walker, que
eu apresentei com meu melhor papo de apresentador de espetáculos. Walker até
introduziu uma broca rotativa em seu nariz girando a manivela. Ele também
usou uma faca cega para raspar a parte branca de seu globo ocular e
reconheceu que tais acrobacias parecem mais arriscadas do que realmente são.
Um cirurgião que comentou sobre as incisões de João
de Deus afirmou que elas eram superficiais (pouco além da espessura da pele,
aparentemente) e não seria de esperar que sangrassem muito ou causassem
muita dor inicial. O mesmo acontece com a raspagem do branco do olho ou a
inserção de alguma coisa na cavidade nasal (“Controversial”, 2006). Médicos
afiliados ao Skeptical Inquirer expressaram opiniões semelhantes. O breve
procedimento nasal ocasionalmente deixa o nariz de alguém sangrando, mas os
mecanismos de cura do próprio corpo, sem dúvida, reparam as pequenas lesões.
O ponto principal em relação aos procedimentos é que eles são
pseudocirurgias que não têm benefício médico objetivo além do conhecido
efeito placebo.
Além disso, a “água benta” que “João-na-Entidade”
abençoa e que supostamente ajuda a curar, é água comum. Eu enchi uma garrafa
especialmente etiquetada que eu havia comprado em Atlanta, e a National
Geographic mandou analisá-la em uma grande instituição da área de D.C., a
Washington Suburban Sanitation Commission. Verificou-se não ter propriedades
incomuns e ser totalmente normal ("Miracle", 2006).
Quanto aos remédios à base de ervas do
João-na-Entidade, na verdade, apenas uma única erva é prescrita, mas aqueles
que procuram ajuda são informados de que as entidades podem usá-la para
ajudar a curar uma grande variedade de doenças (“Miracle Cures” 2006). A
erva é uma das muitas variedades de maracujá, uma planta mística associada à
crucificação de Jesus, e tem sido usada desde a antiguidade como "sedativa,
calmante e antiespasmódica". Os herbalistas dizem que acalma o sistema
nervoso e produz um sono reparador que aguça a sua percepção (Lucas 1972,
128-129). Não é de admirar que seja a droga de escolha para um centro de
“cura” distribuir amplamente.
Muitas pessoas oferecem depoimentos sobre os efeitos
benéficos que supostamente receberam nas mãos de João de Deus. De fato, no
entanto, os sucessos atribuídos às entidades podem ser nada mais do que o
que ocorre em outros supostos locais de milagres, como Lourdes, onde a
grande maioria dos suplicantes permanece sem cura. Uma vez que tais “curas”
são tipicamente consideradas milagrosas porque são “medicamente
inexplicáveis”, os alegantes estão envolvidos na falácia lógica de
“argumento da ignorância” - isto é, tirar uma conclusão a partir da falta de
conhecimento. As curas apregoadas podem, na verdade, ser atribuídas a
fatores como diagnóstico errôneo, remissão espontânea, condições
psicossomáticas, tratamento médico prévio, poder de cura do próprio corpo e
outros efeitos (Nickell 1998, 133-137).
Considere, por exemplo, o caso de Matthew Ireland, um
peregrino de Guilford, Vermont, cujo médico lhe disse que ele tinha um tipo
de tumor cerebral que crescia rapidamente e era inoperável. Após dois anos
de tratamentos de radiação e quimioterapia, Matthew fez três visitas a João
de Deus. Testes subsequentes de ressonância magnética mostraram que a massa
tumoral encolheu cinquenta por cento, mas não desapareceu como a entidade
alegou. O oncologista anterior de Matthew atribui o sucesso parcial ao
agressivo tratamento com radiação e admite que é possível que o tipo
específico de tumor tenha sido diagnosticado incorretamente ("Miracle",
2006; "Is", 2005).
Muitas vezes, em serviços de cura como os de João de
Deus no Brasil, as emoções dos peregrinos podem desencadear a liberação de
endorfinas, substâncias produzidas pelo cérebro que reduzem a sensibilidade
à dor. Eles podem, assim, acreditar e agir como se tivessem sido
milagrosamente curados - até jogando fora suas muletas - enquanto
investigações posteriores revelam que sua situação é tão ruim, ou pior, do
que antes (Nickell 1998, 136). No entanto, notei que, no evento de ‘John of
God’ em Atlanta, os que vinham com andadores, muletas e cadeiras de rodas
saíam com eles. Infelizmente, as entidades não haviam tirado suas aflições,
apenas seu dinheiro.
Agradecimentos
Sou grato a minha esposa, Diana Harris, não apenas
por sua tolerância, mas também por sua assistência direta neste projeto.
Também sou grato a Isham Randolph e outros da National Geographic Television
and Film por seu trabalho profissional, bem como a Timothy Binga, diretor
das Bibliotecas CFI, e a Lauren Becker, então diretora assistente de
comunicações da CFI, pela assistência à pesquisa.
Nota
-
No evento em que participei em Atlanta em 4 de
abril de 2006, no Renaissance Waverly Hotel, um funcionário me disse que
a água poderia ser reabastecida reenchendo a garrafa quando o nível
baixasse, usando água comum da torneira – a água original iria energizar
a água recém adicionada.
Referências
- Bragdon, Emma. 2002.
Spiritual Alliances: Discovering the Roots of Health at the Casa de Dom
Inácio. Woodstock, Vermont: Lightening Up Press.
- Controversial faith-healer
schedules Atlanta visit. 2006. Available at wsbtv.com/print/7257434/detail.html;
accessed April 4, 2006.
- Guiley, Rosemary Ellen.
2000. The Encyclopedia of Ghosts and Spirits, 2nd ed. New York:
Checkmark Books.
- Is “John of God” a healer
or charlatan? 2005. ABC News, February 8. (Available at religionnewsblog.com/print.php?p=10253;
accessed April 4, 2006. (The ABC Primetime Live broadcast on which this
article is based aired February 10, 2005.)
- John of God in Atlanta.
2006a. Available at johnofgodinatlanta.com;
accessed March 15.
- 2006b. Personal
communication from donjenna@johnofgodinatlanta.com. March 8.
- Lucas, Richard. 1972. The
Magic of Herbs in Daily Living. West Nyack, N.Y.: Parker Publishing Co.
- Miracle Cures. 2006. Is It
Real? TV series, National Geographic Channel. October 9. Nickell, Joe.
1998. Looking for a Miracle: Weeping Icons, Relics, Stigmata, Visions &
Healing Cures. Amherst, N.Y.: Prometheus Books.
- 2005. Secrets of the
Sideshows. Lexington, Ky.: University Press of Kentucky.
- Pellegrino-Estrich,
Robert. 1995. John of God. Available at johnofgod.com/article.htm;
accessed February 21, 2006.