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Paranormal e Pseudociência em exame

60 Anos de abdução por extraterrestres: verdade ou mito?

por Marcelo Gleiser




A primeira história de abdução por extraterrestres é brasileira. A estrela é o fazendeiro Antônio Villas Boas, de São Francisco de Sales, Minas Gerais. Infelizmente, o relato ficou famoso internacionalmente apenas em 1965 pela revista americana Flying Saucer Review, perdendo a chance de ter sido o primeiro a causar furor mundial.

Essa honra coube a Betty e Barney Hill, um casal do estado de New Hampshire nos EUA (onde moro, por coincidência) que, em 1961, foram supostamente capturados por um óvni.

Segundo Villas Boas, na noite de 6 de outubro de 1957, quando lavrava os campos de sua fazendo com seu trator, foi sequestrado por um grupo de ETs medindo aproximadamente 1,50 m e levado até uma espaçonave. Preso numa sala, um gás saindo das paredes deixou-o bem doente. Foi então que uma belíssima fêmea, nua, com longos cabelos louro-platina, pêlos púbicos vermelhos e olhos azuis profundos, apareceu e forçou-o a ter relações sexuais. (Imagino que o senhor Villas Boas não tenha oferecido muita resistência aos avanços da extraterrestre.) Villas Boas concluiu que a intenção dela era gerar uma criatura híbrida, metade humana, metade alienígena, que ela criaria em seu planeta. Muito danadinha essa ET.

Quando voltou para casa, Villas Boas percebeu queimaduras em seu corpo, mesmo sem saber como as adquiriu. O médico Olavo Fontes, de um centro de saúde no Rio de Janeiro, diagnosticou as queimaduras como tendo sido causadas por radiação. Confuso, notificou o grupo de pesquisas americano Apro, dedicado a assuntos relacionados com ETs e óvnis.

A maioria absoluta dos cientistas nega categoricamente a veracidade de relatos de abdução por extraterrestres. Quando não são fraudulentos, são produtos de estados psicológicos anormais, incluindo hipnose autoinduzida, síndrome de falsa memória, paralisia durante o sono, distúrbios ambientais que induzem estados mentais distorcidos, misturando sonho e realidade, ou desordem de personalidade múltipla causada por traumas diversos, incluindo estresses pós-traumáticos devido a estupros ou violações sexuais.

O pesquisador e cético americano Peter Rogerson criticou detalhes da história de Villas Boas. Aparentemente, uma série de artigos sobre discos voadores escritos pelo jornalista João Carlos Martins na revista O Cruzeiro a partir de novembro de 1957 iniciou a febre nacional. Martins solicitou cartas de seus leitores sobre possíveis encontros com óvnis e ETs. Villas Boas contribuiu com a sua. Foi Martins que trouxe Villas Boas ao Rio e levou-o ao médico Olavo Fontes e a um agente da inteligência militar.

Uma das razões que fez com que a história ganhasse popularidade é bem absurda: as pessoas não acreditavam que um simples fazendeiro do interior do Brasil pudesse inventar tudo isso. Na verdade, Villas Boas não era tão humilde assim. Tinha grandes quantidades de terra e um trator. Mais tarde, tornou-se advogado e praticou a profissão até sua morte em 1992.

Rogerson argumentou que Villas Boas (e muitos outros supostos abduzidos) foi também influenciado por artigos sensacionalistas do ufólogo Georges Adamski, muito populares na década de 1950. O fascínio pelos ETs, numa época de repressão sexual e tumulto político, era geral.

A maioria das histórias de abdução dividem elementos com os relatos de Villas Boas. O sequestro durante a noite, o aprisionamento numa espaçonave extraterrestre, exames médicos que parecem sempre focar no sistema reprodutor humano, o contato sexual explícito com ETs, as marcas misteriosas no corpo. Carl Sagan, em seu brilhante livro O Mundo Assombrado por Demônios, estabelece pontes entre esses relatos atuais de abdução e outros, bem mais antigos, sobre encontros sexuais ilícitos na calada da noite.

Existem mitologias de milhares de anos atrás, por exemplo do folclore Sumério de 2400 a.C., onde um demônio, masculino ou feminino, seduz pessoas durante a noite. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino escreveram sobre os íncubos e súcubos que afligem pobres humanos no sono, atormentando-os com fantasias sexuais. Relatos semelhantes aparecem em culturas espalhadas pelo planeta.

A estrela mais próxima da Terra fica a uma distância aproximada de 4,5 anos-luz. Uma viagem até lá com nosso foguete mais rápido tomaria em torno de 100 mil anos! Se ETs inteligentes existem e nos visitaram, teriam tecnologias que nem somos capazes de imaginar: viagens interestelares; passar por nós sem qualquer detecção ou traço de sua presença. (Fotos e relatos orais não contam como evidência científica.) Adicione a isto o fato de que são milhares de relatos de abdução e os feitos dos ETS tornam-se realmente extraordinários.

Por outro lado, dada a insistência dos ETs em examinarem nossos órgãos reprodutores, me parece que seu conhecimento sobre biologia e genética é um tanto limitado, o que seria extremamente implausível, dado o que são capazes de realizar tecnologicamente. Ou talvez sejam mesmo criaturas inescrupulosas, com uma estranha tara pelos terrestres.

O paleontólogo da universidade da Califórnia J. William Schopf, declarou que asserções extraordinárias necessitam de evidências extraordinárias. No caso das abduções por ETS, parece que as explicações que dominam são um tanto ordinárias, mesmo se, às vezes, trágicas.

Essa conclusão não vem do ceticismo dos cientistas, de terem a cabeça fechada. Pelo contrário, ninguém mais do que os cientistas que estudam o cosmo e a possibilidade de vida fora da Terra adoraria ter evidência de que ETs existem! Mas a ciência precisa se basear em dados sólidos, em evidência verificável por grupos diversos. Caso contrário, por que dar à ciência a credibilidade que tem?

Na próxima vez que você entrar num avião, lembre-se de que faz isso porque confia na metodologia científica. Você faz as suas viagens confiante de que o sistema funciona. É uma pena que não podemos ainda viajar até as estrelas, em busca de vizinhos extraterrestres. Mas esse dia virá, mesmo que demore muito tempo. Talvez sejamos nós a surpreendê-los num mundo distante.




© Copyright Folha de São Paulo, edição de 23/05/2018.




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