PADRE QUEVEDO
O ardil do caçador de enigmas

 

Roberto Takata

Mister M e padre Quevedo, as semelhanças entre os quadros do Fantástico não são meras coincidências. Há planejamento, deliberação: vestidos em seu uniforme negro, saem em meio às sombras envoltos por fumaça cenotécnica; uma voz gutural anuncia sua entrada e seus intentos – desvendar os truques que atiçam a imaginação das pessoas. A comparação é assim inevitável – padre Quevedo agora é Mister Q (de Quevedo) ou Mister P (de padre, parapsicólogo ou ...).

Talvez seja cedo ainda para tirar conclusões, fazer uma análise. Mas quem conhece o trabalho de padre Quevedo – ao menos pelo site oficial na Internet da instituição que representa (www.clapvga.com.br) ou mesmo pelas suas aparições até então esporádicas em programas de auditório e de entrevistas –, e mesmo quem o desconhece por completo mas mantém o "desconfiômetro" ligado, pode perceber que há algo de estranho nessa história.

Em seu quadro quinzenal, ele nos é apresentado como "caçador de enigmas", e pretende revelar os truques envolvidos em alguns casos alegados de objetos que se atiram ao chão, coisas que levitam, luzes que piscam sem motivo e outras manifestações fantasmagóricas. Tudo truque, nos ensina Quevedo; porém (sempre tem um porém) alguns casos de fato são reais – apenas não se tratam de fantasmas ou espíritos desencarnados, e sim produtos de poderes psíquicos de mentes conturbadas. Enfim, haveria casos que justificariam a entrada em cena da Parapsicologia.

Que mal há nisso?

A Parapsicologia é uma ciência estranha – teve seu auge em meados da década de 70, quando alguns estudos pareciam indicar resultados promissores: poderia mesmo haver alguma habilidade oculta da mente humana. Isso causou uma certa celeuma na comunidade científica, o que valeu, nos EUA, o convite feito pela Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS – na sigla em inglês) à associação dos parapsicólogos local para integrar seu quadro.

Estudos mais detalhados – e rigorosamente controlados – porém passaram a sistematicamente indicar uma ausência de evidências favoráveis à existência de fenômenos parapsicológicos – telepatia, deslocamento de pequenos objetos apenas com o pensamento, precognição e afins. Em muitos casos detectaram-se fraudes na geração dos resultados (seja por parte dos sujeitos experimentais, seja por parte dos pesquisadores), falhas graves na metodologia e na análise dos resultados. Rapidamente a Parapsicologia perdeu credibilidade. Mas não desapareceu. No imaginário popular aparece ainda na forma de leitura de mentes (e diversos truques de palco), colheres psiquicamente entortadas (quem não se lembra ou nunca ouviu falar de Uri Geller?), o uso de apenas 10% da nossa capacidade cerebral e demais.

Então temos a seguinte situação: por um lado há uma ciência desacreditada, a Parapsicologia (a ponto de muitos, entre os quais me incluo, considerarem-na pseudociência – as reticências nos possíveis significados de P em Mister P se referem a isso), e por outro um defensor de sua validade. Que mal há nisso?, havemos de nos perguntar como telespectadores. Aparentemente, nenhum. Aparentemente.

Duas falácias

Existe um ardil potencial: não se tem documentada nenhuma evidência crível de fenômenos parapsicológicos. E sem evidências como se prova um ponto? Padre Quevedo se posta como cético, demonstra uma visão crítica em relação a determinadas alegações. Com isso se constrói uma imagem de seriedade e de cientificidade. Construída essa imagem, não fica difícil transpô-la para a sua atividade, fazer crer que os fenômenos que ele tem como autênticos de fato o sejam ("Se até alguém que é reconhecidamente um cético acredita, como não haveria de ser verdadeiro?"). Duas falácias são aqui cometidas.

Ainda que fosse fato que todos os (bons) cientistas sejam céticos (e não são), disso não se seguiria que todos os céticos (ou os que alegam sê-lo) são (bons) cientistas (nem sequer que sejam cientistas). O que se propõem é:

  • Se um indivíduo é (bom) cientista, então ele é cético.
  • Fulano é cético
  • Portando, Fulano é um (bom) cientista.

Trata-se da falácia de "afirmar o conseqüente". Uma vez estabelecida de modo escamoteado, segue-se o apelo à autoridade. Não importa quão precisas sejam as intervenções de Quevedo – ele pode estar, acredito que estará, estritamente correto no desmantelamento de um caso específico (ou até de todos os apresentados), mas isso não estará de forma alguma provando nada a favor da Parapsicologia.

Fantástico – o show da vida é considerado pela emissora um programa da linha jornalística (conforme se atesta no site da Rede Globo): o quadro de Quevedo é um show tanto quanto era o de Mister M, e não jornalismo. Não haveria problemas nisso se não se quisesse vendê-lo como tal – mas a intenção declarada é de esclarecer ao público. E como esclarecer incorrendo-se em erros tão crassos de raciocínio?

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Este artigo foi originalmente publicado no Observatório da Imprensa no endereço:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/atualiza/artigos/ofc28012000.htm